domingo, 28 de março de 2021

EMANAÇÕES


Sagrado nasceu e viveu sozinho, talvez seja por isso que caminha cabisbaixo, e de esquina em esquina_______ faz uma parada e olha pra lá, pro além, e pensa: "será que o fim do mundo é ali, depois da próxima esquina?!" Pensando e remoendo os miolos, Sagrado segue na caminhada. Pensa que é rei, é bispo ou peão, e num súbito, dá um cheque mate no jogo xadrez que é a vida. O mundo mente. O além é aqui, entre o céu e a terra, onde as borboletas fazem seus ninhos e a mulher 'manquitola' carrega uma balança de dois pratos. Um deles, cheio de ouro o outro cheio de barro, e, nesse momento, há uma transformação no seu sentimento humano e novas leituras são feitas. Sagrado é então, xamã. É o leste e o oeste, o norte e o sul da consciência humana_____ o pentagrama e os cinco elementos à sombra da árvore da vida. Expressa a dor e a fantasia, agrega a materialidade visível dos símbolos aos olhos humanos interpretando a resposta imediata na leitura dos arquétipos. Num rompante, Sagrado se despe - vestes rotas e ideias imorais jazem na poeira do chão e completamente nu - Sagrado caminha pela rua em busca do fim do mundo.


foto: Luciah Lopez

SINGULARIDADES




( ! ) ...passaram - se tantos anos antes que eu percebesse o Tempo e suas "faces". O que eu enxergava como se fosse uma gravura, tem agora, uma leitura mais profunda  e torna real à medida que  vou caminhando - nada se mantém imutável. Nem mesmo as estrelas e ao final de cada tarde o dia morre no silêncio das cores. Muitas vezes eu fecho os olhos e o escuro singularmente frio, se aproxima ____seria essa presença um motivo para tristezas ou medos?! Eu não sei... Então, abro os olhos e a visão emplastada de um vermelho profundo revela que eu ainda tenho tempo pois eu não sou isenta da paixão. E com esta certeza no coração, eu me sento ali mesmo, e me ponho a admirar mais um pôr do sol.




quinta-feira, 18 de março de 2021

UM PRESENTE VALIOSO!



Abaixo, um dos vídeos que tive muito prazer em fazer. Especialmente pela excelente prosa poético de nossa confreira Luciah Lopez.(Clique e veja matéria no ACERVUM, sobre o lançamento de seu primeiro livro físico).


Veja também o que o pensador e filósofo Júlio Mourão D'ávila falou sobre o vídeo: "Caro Mhario. Permita-me dizer que o texto dessa moça é surpreendentemente lindo. Emocionante. Permita-me, ainda, confessar que enxerguei, em alguns momentos, a poderosa Hilda Hilst. Obrigado pelo envio, distinto Mhario Lincoln (....)". Grato Júlio por sua apreciação.


Confio muito no que vc escreve e fala. Eu, por mim, digo: parabéns Luciah Lopez. Um texto efervescente. Iluminado. Intenso, com um final surpreendente, sem perder a ternura e a lembrança de sua doce mãe. Beijos. Grande abraço. Volta sempre.


À propósito, eis o prefácio que escrevi para seu primeiro livro físico: À GUISA DE PREFÁCIO (a palavra nua) (*) Mhario Lincoln Poesia não é ilusão. Se assim fosse, seria mágica. A poesia é sentimento. Por isso a emoção. Faz chorar, rir e sentir. Eis o milagre daqueles que realmente sabem escrever poesia. Aliás, escrever, não! Debulhar a alma. E isso, cara Luciah Lopez, você sabe fazer como ninguém. Um rápido exemplo neste livro de estreia: "Toda palavra branca é nua...", isto é, palavra nua, não tem nem cheiro de poesia, equivalendo mais a uma prosa ou narrativa. Por isso, confesso que me encanta ler sua obra, agora reunida neste livro.


Encanta-me a solidez do mote. A linha performática, até, com a qual você vai tecendo o tijolo poético, sob o prelo do conhecimento prático. Teus poemas me obrigam à lucidez interpretativa. Essa é a vantagem de traduzir um insight simples, quase comum, sem rimas lógicas ou perceptíveis, mas com espectro profundamente desestrutural.


Note-se: "Um dia que não amanheceu/E uma noite que não se desfez da escuridão". Isso significa que o verso bem elaborado não precisa de técnica, nem escolas, nem sofrimentos. Todavia, não deve ser uma palavra nua.


Essa é a grande diferença em sua bela obra. Incitado e excita o leitor pela condução poética, a fim de que ele possa construir seu enredo contemplativo, numa hermenêutica de passo a passo, sob o desenrolar do fluxo versicular, tirando desse, a maioria das sensações que a alma de quem lê possa disponibilizar naquele momento.


Isso é um fenômeno clássico. E como diz Antoine de Saint-Exupéry: "A verdade não é, de modo algum, aquilo que se demonstra, mas aquilo que se simplifica". Eis o segredo desta maravilhosa obra.


Então,Luciah, na mosca!.


Jornalista

Mhario Lincoln Crítico literário e presidente da Academia Poética Brasileira.


Links: 


YouTube 

 https://youtu.be/QFXAdfNDuiM


www.facetubes.com

https://www.facetubes.com.br/noticia/1082/luciah-lopez-da-academia-poetica-brasileira-escreve-qperegrinacaoq-prosa-poetica?fbclid=IwAR3DWAqCLZUvK2d4bt8-qYSR5HB2t-WI-QwcB2ZKlQU6cP71XzqdTkew1zs


www.acervum.com.br

https://www.acervum.com.br/a-posse-de-luciah-lopez

 


terça-feira, 16 de março de 2021

OLHOS DE ÂMBAR



abri a caixa de mágicas _______ fragmentos de pedra sabão se espalharam por todo lado_______os meus olhos de âmbar e as pedras de sol reluziram _______ já era quase noite quase silêncio nas pequenas poesias que se inscrevem em páginas de pedra _______ o tempo era uma velha rosa vermelha acocorada em seus mistérios e incoerências _______ então me perguntei: onde estão os poetas?! onde está o oleiro com suas mãos purificadas na santidade do barro? onde estão as pessoas e as borboletas e os pássaros?_______o espelho já não reflete a primavera porquê a alma do mundo se afastou entristeceu _______chorou versos e prosas a incompletude do ser _______e quando tudo era silêncio caminhou pela memória dentro da noite azul opala e estando tão perto_______ acendeu as velas que clareiam o céu e assim fez-se luz no meu olhar de pedra âmbar



segunda-feira, 8 de março de 2021

POLICROMIA

 



... quem pode dizer onde a felicidade esta? Não adianta olhar o espelho buscar no labirinto dos olhos -a policromia do amor descoloriu - vazou! Nem nos versos de Cora (que outrora amou) ou Florbela e mesmo Helena que por amor se calou e pintou estrelas no muro. Não há mais felicidade só um descascar de cores mostrando esse bicho acuado, que é o amor.



imagem: Google


domingo, 7 de março de 2021

PEREGRINAÇÃO




O vidro e a prata e o negrume da noite...
Sou espelho de mim mesma, segredo de sete vidas na eterna imagem do que sou, do que fui e serei. Uma nova utopia, um caminho entre o cobrejar da serpente e o voo do pássaro aprendiz, a abelha, o pólen, a flor e a raiz que sustenta o mundo. Não há uma montanha, e, sim uma planície estendendo-se desde a foz do meu olhar até o delta de todos os sonhos meus enovelados em fios de algodão e seda - a trama e a urdidura no tear do existir e do ser. A contemplação do sagrado, a vestimenta, o plano e o convexo, o ardor, o fel, a quietude mística, o cometa, mar e o oceano da minha existência. O sol em sua incandescência beija a lua, a argila beija a mão do oleiro no nascimento do jarro. O óleo desvirgina a pureza da argila, o fogo derrete a cera e o coração apascenta a fera e sua inadimplência. O céu está girando os astros em sua orbita de silêncio e o que esta dentro de mim, pulsa e vibra conspirando com o universo em busca do numinoso. A casa de minha mãe é sempre onde estou -, as portas são abertas e o fogo aceso é a presença daquele que vem, com os pés desnudos e traz  nas mãos todas as chaves e o código que decifra todas as línguas. Sou! Sou o que a pérola é para a concha, sou o que a letra é para a escrita. As palavras e os sentidos, os significados, os enigmas e a descoberta da verdade na poesia absoluta. A remissão dos pecados ante o cadafalso, o infinito numero de pétalas da mesma rosa, a diminuta grandeza do grão de pólen-, estame e filete na graça do que é eterno. A continuidade da luz no reflexo da escuridão. A corda retesada, o nó, o cabelo do pó, a mão da Medusa, a diáspora, o sangue e o gene no mesmo cálice. Sou o espelho, o olhar, a voz, o gesto, o verso e o reverso da minha descendência, sou. Desnudo-me da pele, deixando-a secar em tosco jirau, para vestir-me de carne e sangue e sentir a plenitude da minha existência -, o meu próprio Ser!


quarta-feira, 3 de março de 2021

ONDE ELA ESTÁ

 



ONDE ELA ESTÁ?


Passados são os anos da infância e o infortúnio da saudade chega tão perto e, me pergunta: _ Onde ela está? Onde?!

Em silêncio eu olho para as suas mãos e, nelas, vejo que as flores não demoram para nascer - em especial; as rosas -, amarelas, vermelhas, lilás e tantas outras cores e texturas que a criatividade lhe permitia. Eram rosas feitas de organza, palha, renda, de folhas secas, jornal, folhas de revistas ou cascas de frutas - era o seu amoroso segredo - dar vida a essas flores. Não havia escravidão naquele prazer divinal e as horas se perdiam na modorras das tardes, embaladas pelo canto dos pássaros e o som estridente das cigarras. De repente, ela percebia a minha presença e, abrindo um largo sorriso, me chamava para dentro do seu maior abraço. Noutras vezes, eu a observava regando as plantas e a grande horta do quintal – ela parecia bailar, leveza típica de quem ama. Era o tempo da minha infância, o tempo da minha mãe. É tudo que eu tenho, é tudo que eu sou. Não quero nada além e continuo andando neste quintal feito de saudade, pelos cômodos da minha lembrança, olhando os quadros pendurados nas paredes, o velho relógio carrilhão, as miniaturas de cristal, as peças de prata, os vasos, os porta-joias, os cabides de madeira, a louça portuguesa, e as grandes panelas de ferro e os tachos de bronze para as incontáveis tarde no preparo de doces. Os pequenos baús de couro que pertenceram à minha avó e traziam o silêncio dos velhos álbuns de fotografias. Os segredos da minha mãe, as dores que sangrou em silêncio pela ausência do meu pai nas grades da ditadura – e todas as suas rosas brancas pediam paz. Numa manhã de sol a paz retornou à nossa casa e relatou os dias de sua ausência ainda a tempo de acompanhar minha mãe em seu amoroso entardecer aos pés da santa confiando-lhe um pedido, infortúnio de mãe. Ela era mulher, ela era mãe, assim eu a conheci. Por anos consecutivos, eu parei diante do grande móvel de madeira escura, numa das salas da nossa casa, onde os retratos da família eram expostos aos olhos dos visitantes – cada fotografia com sua historia. Eu experimentava a necessidade de conhecê-las para poder chegar a mim mesma, antes de cair no esquecimento. Quando a luz filtrava pela fresta da cortina, eu sentia a presença de cada um deles preenchendo as rachaduras do tempo. Minha mãe, às vezes estava ao meu lado e mansamente eu sentia a sua mão em meus cabelos e entre nós não havia mais diferenças de pensar. Não sei quanto tempo se deu entre esses dias e o silenciar das mãos fazedoras de rosas. Parece que foi ontem que a vitrola ficou muda, engoliu seus LPs e, The Wall nunca mais foi ouvido. Minha mãe fez rosas negras depositando-as aos pés da santa, lavou suas mãos, guardou suas tesouras e agulhas, seus moldes, suas rendas e se recolheu em profundo pesar. Respeitamos a sua dor, meus irmãos, meu pai e eu nada dissemos, nada pedimos, aguardamos a urgência do sorriso dela, dos carinhos dela, dos olhos dela – que sofria a perda de uma filha. As flores do jardim, assim como a grande horta ficaram adormecidas. Os pardais e as cigarras silenciaram em profundo e cinza inverno. Minha mãe se calou até que a dor aquietasse seu coração, mas as rosas – nunca mais nasceram. Confesso que nunca entendi, mas também não questionei e, assim a vida nos conduziu por mais outros longos anos, até que finalmente minha mãe viajou para onde moram os anjos. Hoje, ao olhar o céu logo pela manhã, muitas nuvens brancas com formas surreais e no meio delas, uma rosa...


Para minha mãe Dª Ira

03/03/1923

11/03/1987



imagem: Minha mãe aos 30 anos

grafite sobre papel

Luciah Lopez