quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

NATAL NA CAATINGA



Com o mapa nas mãos, Noel sobrevoa a Caatinga buscando o local indicado e devidamente marcado com um X, feito com carvão. O mapa feito num pedaço de papel de embrulho, tem um dos cantos “mastigado” e apresenta marcas de dedos sujos, mostra claramente onde devem ser depositados os presentes – a árvore de Natal! Noel, pegou novamente a carta. Olhou-a demoradamente enquanto coçava a longa barba branca. Tentava entender o motivo daquele pedido inusitado. Acostumado a viajar o mundo em seu trenó, sempre levando brinquedos – bolas, bonecas, carrinhos – desta vez, a carta trazia um pedido diferente. Tudo poderia ser apenas uma brincadeira de algum desocupado, mas, sendo ele o Papai Noel, não podia deixar de atender o pedido, e sobrevoava aquela terra árida levando os presentes e de vez em quando, um pouco apreensivo coçava a barba e tentava acalmar as renas... “Vamos, meninas, já esta estamos chegando” e chamava carinhosamente cada uma delas pelo nome: “Dasher, Dancer, Prancer, Vixen, Comet, Cupid, Donder e Blitzen , em frente!” Com um "solavanco" no trenó, ajeita a carga tendo o cuidado de olhar se tudo continuava no lugar. Não podia perder nada, principalmente ali, no meio daquela “secura” desertificada. Se perdesse algum dos presentes, não teria como arrumar outro, pois 95% da totalidade da carga fora “comprada” e não confeccionada pelos duendes na sua fabrica no Pólo Norte. Uma lufada de ar quente e seco traz até o seu nariz, o cheiro da carga de presentes – carne de sol, farinha, manteiga de garrafa, rapadura e outros itens que foram devidamente descritos nos seus detalhes – iogurte, bolacha recheada, arroz, feijão, doce de leite, café, goiabada, um metro de fita de cetim vermelha e muitos outros. Além disso, trazia também uma nota à parte pedindo: sal grosso, farelo, alfafa e ração para cachorro e um lembrete. ps: NÃO ESQUECE, É IMPORTANTE! De repente uma árvore se destaca no meio da planície seca. Noel observa o relevo e identifica como sendo o ponto de entrega. Faz um gesto com os arreios e diz: Desçam! E as renas conduzem o trenó com suavidade aterrizando na Caatinga entre cactos espinhentos e galhos secos. Noel desce e caminha até a árvore e lê o bilhete preso no tronco seco. “Papai Noel, eu quero qui o sr. trais pra nóis um poco de comida porque aqui, a fome mata um mininu tudu dia. Não queru qui meus irmãozinho morre de fome, então to pedindo a cumida e um carrinho que é pra eu dá pro Cirço, porque ele só tem um ano e pode brinca di carrinho. Nóis já num pode. Trabaiamô na carvoaria... Papai Noel, num esquece da cumida do Branco o meu cachorro e nem da cumida das cabritas purque elas tem qui dá leite. A fita vermêia, é pra minha mãe por nos cabelo e quem sabe ela fica feliz de novo e para de chorá? Um abraço e a sua “bença” Papai Noel. Assinado: raimundo da silva".

Noel, enxuga as lágrimas e autoriza aos duendes ajudantes que descarreguem o trenó...



quinta-feira, 30 de novembro de 2017

REFLEXÃO



Com a proximidade das festas natalinas é comum nas pessoas uma mudança comportamental, a busca pela compreensão da alma humana diante da difícil caminhada pelas veredas espinhosas e cicatrizes adquiridas. Como aceitar a dor sendo parte de um presente de Deus, se não nos damos conta da divindade existente em nós?! Há impulsos e necessidades inerentes ao ser humano -, o Amor e o amar. É difícil e árdua a tarefa de nos libertarmos do egoísmo para  adentrar na naturalidade dos seres de Luz. O Amor é a mansuetude da alma e o amar é a resignação com a qual nos entregamos a um processo modificador. Somos feito a prata e necessitamos tanto do crisol quanto do fogo. Não há como alcançar magnitude e a beleza de ser uma joia rara, se não nos entregarmos ao artífice. Muitas vezes o que consideramos como um castigo ou uma privação, nada mais é, que a descoberta da nossa oportunidade de amar de forma incondicional. O nosso desconforto psicológico tende à descrença e a revolta, porque somos humanos, densos e pesados: salvaguardando a mais absoluta descrença na vida eterna mantemos uma visão linear que nos faz estruturalmente rudimentares. Cabe à alma, ser como a flor -, dar vida ao vaso de barro. A expansão da consciência nos liberta de toda e qualquer prisão, de todo e qualquer medo. Neste Natal - sejamos LUZ!


terça-feira, 10 de outubro de 2017

TODOS OS SONHOS DE ALICE


O pássaro sabe o endereço: por semanas sucessivas ele chegou com a manhã; mais precisamente às 05h23. As vezes, sob a mais terna fantasia, desconsiderando seu instinto alado ele provocava sonhos nos quais Alice consagra a loucura experienciando o ser, no mais profundo de sua alma infinitamente pueril. Alice é o que o pássaro considera como sendo a concretização autentica da fantasia -, e a piedosa admiração pelo ninho no vértice das suas coxas faz com que a moralidade seja apenas uma vocação tempestuosa - quiçá obsoleta. Alice abre as pernas e os braços e se agiganta expondo a sua teoria sobre o existencialismo e o passar dos dias na tábua da vida. A volúpia do pássaro em suas mãos faz com que Alice seja dissipada na aventura de todas as palavras contidas num amontoado de folhas que as traças vão saborear. Pois que se faça a vontade das suas asas e se renove os seus voos cada vez mais alto, cada vez próximo ao teto do mundo feito Ícaro em desespero.


imagem: Jet Xptu/olhares.com



quarta-feira, 27 de setembro de 2017

ANONIMAS


Entre o mundo real e o sabor da independência percebo claramente a fragilidade que envolve a nós mulheres, perante uma parcela de pseudo machos, que influenciados por falsos conceitos de moral obsoleta, sentem-se no direito de 'esporrar' feito um animal isento de consciência e singularmente livre do peso da lei. A esse propósito, diga-se que a justiça continua cega e inefavelmente diversa do que se espera de uma 'senhora' que ao invés de agulhas de trico, tem nas mãos a espada e a balança. Ah! Com profundo pesar me olho no espelho e a minha imagem é anonima, porém a minha revolta não se cala_____GRITA!!



terça-feira, 19 de setembro de 2017

MAMULENGO


Eu vou por aqui e acolá, mamulengo que sou nas ruas desta cidade feita de panos de chita e barro queimado. Corro os meus passos sobre as pedras lisas, corro pra longe do escuro, do muro, do medo do fim do mundo. Em cada esquina, dois pares de olhos sem pálpebras, duas bocas sem dentes, duas mãos e uma pedra! Uma lata, um cachimbo, um escambo e dois palitos____um apito e o guarda Belo! Eu corro, eu subo a ladeira, escorrego na ribanceira e me faço broto de bananeira ( yés, nós temos banana!) e a puta que o pariu acende as luzes feito um Zeppelin apocalíptico e chove sobre nós o mijo sagrado de cada dia. E a cidade adormecida entre chitas e tafetás emite sons graves e agudos e padece num orgasmo transcendental pra renascer colorida entre peidos, merdas e mijos e o pão nosso de cada dia - amém!


foto: Curitiba/ LL 




sexta-feira, 15 de setembro de 2017

GALOPE MARTELADO



Ouviu-se um galope desenfreado.
- Quem vem lá?! Um ciclope, um unicórnio dourado, um centauro alucinado?! Não consigo distinguir, tudo é inútil e sobre mim a fatalidade de um espírito nostálgico. Todavia, a inutilidade da palavra vã, aproximou-se e a ocasião fez com que se cumprissem todos medos e sobressaltos que a alma enclausurada acomete. Há um instante de alerta e uma necessidade peremptória de confessar todo o meu amor, mas os sentimentos se extraviam antes mesmo que as flores possam fazer parte da primavera...
Posso dizer que de um modo geral, eu resisto aos sonhos, vez por outra, como a tinta que escorre sobre a folha branca criando imagens inexatas.




quinta-feira, 7 de setembro de 2017

PAISAGEM INTERIOR


_____eu morro sufocada neste álbum de retratos, que a descontinuidade do Tempo faz azular. Quanto mais eu contemplo os detalhes das penas dos pássaros, mais me dou conta de que não posso voar -, e num impulso me lanço ao abraço feito pintura de tinta guache e me penduro no dorso da ilusão de viver em você. Ah, os seus instintos mais primitivos a invocar-me a docilidade de quem vive à margem da realidade na luminosidade nos seus olhos de sol e poucas são as palavras que o Tempo  nos participa, porque nem o rio, nem a floresta, nem a montanha ou mesmo o mundo inferior pode separar o que provem de nossa alma e pode ser refletida no espelho d'água - benéfica e cristalina água que sacia a sede de todas as sedes: a felicidade de ser assim, tão sua.







Imagem: Chelsea Greene Lewyta



quarta-feira, 6 de setembro de 2017

A FLOR



Meu coração se contrai e se expande em resposta ao Amor que me invade com as cores da primavera. É a flor que sai do ventre e traz consigo as línguas faladas e as línguas mortas que distraem a palavra feita da saudade que te reveste. Eu mencionei o seu nome enquanto a seiva corria pelos veios e ranhuras das folhas e pétalas e a elas ajuntei os pensamentos que a voz do meu coração soprou nos meus ouvidos. Nitidamente ouvi o que perdura entre nós -, o seu riso. A espontaneidade da sua risada obedece as curvas habituais no vermelho dos seus lábios e é tudo que eu preciso para me vestir de primavera ao bel-prazer de quem ama e se permite amar.


para Odur


foto: LL



domingo, 3 de setembro de 2017

A MINHA ALMA



A minha alma precisa da sua alma como fonte de energia, como fonte do amor verdadeiro, esse amor que nutre o Sopro Original. Minha alma, anseia e sofre nesta espera silenciosa onde sua boca beija minha boca, apenas no silêncio destas paginas em branco. A minha alma vaga pela noite num sopro do vento quente enquanto a sua alma da minha se distancia. A minha alma dorme em alguma nuvem depois de derramar a essência perfumada desse amor de longa espera e se aquietar num sono que estende pela eternidade. 

* para Odur




terça-feira, 22 de agosto de 2017

Vinho Seco - Poesia

DESEJOS


____um tanto jocosa diante da irreflexão
reconheci as minhas palavras penduradas no varal.
Vira outrora 
as notas musicais enfileiradas no mesmo varal
enquanto Janis se lamentava em Piece Of My Heart
ardendo os meus lábios na obscenidade 
líquida de la fée verte.
O mundo exterior já não existe
e os meus olhos presos aos seus 
fazem a tempestade invocar todos os meus desejos
prelibando seus beijos






quinta-feira, 17 de agosto de 2017

ALICE E O VENTO DO INCORFORMISMO


Bastou uma lufada do vento forte e um punhado de cisco nos olhos para Alice sair da linha - Putaquepariu! Ô vento do caramba!! Como se não bastasse merda de cachorro na calçada pra gente pisar, agora é o vento que nos joga lixo na cara! - Tasqueoupariu!!!! - e no instante seguinte se dá conta dos palavrões e com ar infantil, levanta o rosto olhando o céu,apenas com o olho esquerdo, já que o outro estava fechado por conta dos cisco e areia: Oh mãe, foi sem querer, mas cê tem que reconhecer que pisar em merda e levar areia nos olhos é foda!! E nem tente me lembrar dos conselhos da Madre Superior, afinal, ela já deve estar no inferno atucanando os miolos do próprio Diabo com seus conceitos sobre a moral e os bons costumes -, e falando em voz alta, continua caminhando, ora pela calçada de pedras polidas, ora pelas pedras da discórdia -, o tal "petit pavé". Não tardou para avistar outro montinho de cocô milimetricamente posicionado sobre o paralelepípedo. Sem muito o que pensar, Alice se posiciona ao lado do cocô - analisa demoradamente o volume e num movimento certeiro atola o sapato esmagando o monumental 'artefato fétido' artisticamente deixado no meio do caminho. Antes de sair caminhando, ela dá uma boa olhada no seu sapato apenas para saber o quanto está carregado de munição e sai a espalhar merda pela calçada sentindo o vento soprar folhas, ciscos e toda sorte de imundices em adoráveis redemoinhos...


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

É SÓ O MEIO DA VIDA


É só o meio da Vida e nada mais, então porque dizer que é tão difícil ser feliz?! Somente uma vez falamos que sonhar é uma outra forma de ser  ilimitado -, e o que nos falta para que isso seja verdadeiro?! Que merda é essa, que aos cinquenta anos somos taxados(as)  de velhos(as)?!? Decididamente nem aos noventa anos me sentirei velha - já profetizei isso! Todos os meus espaços são preenchidos pela felicidade de estar viva e viver de forma expressa tudo que se me apresenta. E o meu coração não aceita simulacros, por isso não tenho medo de amar profunda e verdadeiramente como deve ser toda entrega e não apenas impulsos de afetividade que não levam a nada. Podemos sonhar todos os sonhos de amor e não há nada que nos impeça de vivê-los. Essa é a minha força motriz -, é por isso que eu digo todos os dias: Eu te amo, Vida!

para Odur 


domingo, 13 de agosto de 2017

SONHO DE PAI


Eu cresci ouvindo você dizer que seu maior sonho era me levar ao altar vestida de noiva e para mim foi impossível não realizar o seu sonho. Meu amor por você estava acima dos meus próprios sonhos, então quando as coisas saíram temporariamente do meu controle, não tive outra escolha a não ser me dirigir na época à Maison De Paula (hoje Dee Paulla Estilista) e encomendar o tal vestido branco. Optei por algo simples e sem muito brilho, mas que encheram os seus olhos de alegria e lagrimas ao me chamar de 'princesa'!Pois é papai, nem tudo saiu como você sonhou para minha vida de princesa -, porém na minha condição de filha eu procurei poupar o seu coração das minhas tristezas e continuei sorrindo e mantendo o faz de conta enquanto foi possível. Não posso dizer que não tentei, sim eu tentei de todas as formas fazer valer a pena, mas não podemos mudar as pessoas então, eu mudei de atitude quando fiquei sem a sua presença - que era vital para mim -, a minha vida reclamou uma atitude mais madura da minha parte. Eu pensei em você, em tudo que me ensinou e entre Viver ou Morrer eu escolhi a Vida e as suas palavras norteando o meu caminho sempre, porque eu sou sua filha e o meu amor é eterno. Tudo valeu a pena só para te ver sorrir...





sexta-feira, 4 de agosto de 2017

VICISSITUDES DA VIDA



Em meio a essa vida louca, o Amor chegou como a noite chega para render o dia no objetivo da Vida e o dia rende a noite na consciência da humanidade. E por dias e noites a retidão das suas palavras me conduziam a mundos inimagináveis e onde quer que eu fosse, bastava apurar os ouvidos e a sua voz me pertencia aos ouvidos tanto quanto a sua alma pertence ao meu coração. E os meus olhos rasos d'água, muitas vezes resenhavam a sua imagem como se minh'alma estivesse a estudar cada detalhe da sua inquietação transbordante que me resgatava da escuridão para a luz da sua existência. Havia um sentido muito mais amplo que o relatar de sonhos e desejos latentes e a confissão do amor se fez na violácea hora entre a noite e o dia. Somente assim pudemos entender a significância da imortalidade aprisionada no impulso da carne que nos faz morrer e viver "sempre juntos, embora separados". 


para Odur


foto: LL


quarta-feira, 2 de agosto de 2017

LADAINHA


Tencionava que os meus temores fossem um segredo, mas a estranheza da noite chegou num tropel de cavalos loucos e o mundo estremeceu em agosto. Os pressentimentos alvoroçados e o assovio da Mãe da Noite se fez ouvir. Vinha da rua debaixo um murmúrio encalacrado e contínuo, mais parecendo a ladainha do Pai Eterno me obrigando à confissão dos meus pecados antes que eu pudesse evadir-me noite adentro sem ao menos deixar cicatrizes. Com a mesma rapidez que os cavalos passam por mim, a noite carrega os ruídos aparentemente guardando-os na memória do Tempo para que eu possa sempre me lembrar dos vestígios de um beijo sem explicação e do olhar de Caim sobre a Terra nua...


imagem: Sylva Zalmanson


sexta-feira, 28 de julho de 2017

É ASSIM QUE NASCE A POESIA


____é assim que nasce a poesia: de um impulso!
Há uma conexão entre o aqui e o 'acolá' -, e as informações que necessitamos nos são passadas diuturnamente, mas nem todos são capazes de entender as mensagens. Então nascem os poetas, que ao interpretar-se, traduzem a poesia do mundo em verso e prosa. Assim falando sobre amores, sobre as rosas, as noites, os mares e marés de sizígias, sobre o espírito e sobre a carne, os poetas seguem decifrando os enigmas da criação completamente imbuídos da eterna e divina arte de amenizar as dores do mundo na beleza da poesia. Sou poeta! Eu nasci assim -, se faço certo a minha poesia então é sinal  de que o meu caminhar é feito no sentido da luz, não o inverso.


foto: LL



domingo, 23 de julho de 2017

ENTRE O SER E NÃO SER


Nenhum lugar podia ser melhor que Vanaheim. Não naquela época em que eu andava por lá, usando a velha calça jeans desbotada e os cabelos caídos sobre os olhos, levando no ombro, a bolsa tiracolo feita de barbante. Eu ansiava pelo anoitecer tanto quanto pelo amanhecer, porque as respostas para as minhas perguntas tanto se davam ao clarão da lua, ou sob o calor do sol. E não havia nada mais angustiante do que não poder me desvencilhar do Reino do Óbvio e viajar pelos céus daquele mundo fantasioso. A sombra de Yggdrasil era por demais convidativa a interpretações do Mundo Descarnado, tal qual era bom viajar naqueles balões coloridos sem o incômodo de lamurias dos visitantes indesejados. O Tempo era mais que um ancião alquebrado, e aromava hortelã o seu halito enquanto me dizia chamar-se Yohanan. O Tempo não engole ninguém nem mesmo engoliu Jonas! Às vezes uma chuvinha amiúde feito brisa, obedecia o modo de bem viver das plantas e flores. Mesmo preocupada com os meus papéis de carta eu me permitia beber dessa água como se fosse água batismal. Todos os dias eu renascia na inocência de um ser irreal, enquanto lá fora -, o mundo se vestia qual Babilônia em sua glória obsoleta.


imagem: Chelsea Greene Lewyta



sexta-feira, 21 de julho de 2017

MEIA NOITE


O dia se rendeu à noite -, numa frequência imposta, as flores repetem a doutrina da continuidade ingênua, expondo-se a olhares indiferentes ou desprovidos de amor. A noite é vestimenta do homem tolo, é parte do evangelho que alimenta a alma que o dia não corrompeu. Não há tormentas excessivas no desenlace das horas, não há dor neste silenciar de preocupações, até mesmo porque a beleza das flores aniquila a pobreza do pensamento vão.

foto: LL

UM BREVE MOMENTO ENTRE O CLARO E O ESCURO



Deixo resplandecer a tentativa do pecado de recriá-lo só para meu prazer e o que me conduz aos traços ora nervosos ora suaves, é o instinto primitivo que  revoluciona o claro e o escuro numa desesperada ânsia de deter o seu olhar sobre mim. E o 'proibido' me invade o pensamento anunciando que a solidão chegou ao fim e o mais íntimo e satisfatório impulso me permite a visão da metade que é só minha - " Eu sou teu cântaro ( e se me romper?)" -, serei o seu amor incorrigível que treme a alegria no labirinto de um beijo francês e todos as risadas defendidas com a curvatura do meu corpo sob o seu. Serei a sua metade em rabiscos entrelaçados no claro escuro de cada poesia onde eu desenho o seu olhar sobre mim.

para Odur



desenho : LL


segunda-feira, 17 de julho de 2017

ELEMENTOS DO SIM E DO NÃO


Lamento muito que o mundo me pareça uma aquarela e eu pacientemente vou torturando a folha branca com cores em desenhos sem muita pretensão de acertos. Só não quero reprimir a singular harmonia das linhas. Como é agradável aos olhos esse vai e vem das formigas e a modorra do dia obrigada empinar pipas em defesa do sol. Eu vi os meus olhos  curados da opressão e a minha mãe me conduzindo entre as exclamações e xingamentos da Rainha de Copas - mais uma xícara virou cacos e os barracos de pedrinhas coladas emolduram a coluna do morro. Ah... Mea culpa, mea culpa, mea culpa! Eu nasci assim, com um pé no sortilégio e o outro numa Ave Maria.


imagem: Casinhas no Morro / LL


sábado, 15 de julho de 2017

ENTRE VERSOS


____ o que será de mim, será ENTRE VERSOS?!
Serei a carne e a rima
os ossos e a plástica do poema
a textura de cada página
o desenho 
o símbolo
a letra que minh'alma desenha
em forma de versos
re_versos o que será de mim
por ser eu____ um verso?!



foto: LL



quinta-feira, 13 de julho de 2017

VIAGENS


Acabei de olhar o céu -, poucas estrelas estão visíveis, mas o desenho das nuvens é fantástico, surreal! Hoje a noite está silenciosa, apenas um ou outro ruido e o "conversar" distantes entre os cachorros. Nada me fala de tristezas - não, algo até bem singular me faz dar risadas aqui sozinha: eu estava comendo brigadeiro de panela e lambendo os dedos!Uma tentativa puramente infantil à qual me entrego feliz. A infância não se distancia de nós a não ser que todas as nossas perguntas tenham obtido respostas e não hajam mais motivos para sonhar. Não creio que isso seja possível -, não nos tornamos adultos, insípidos e insensíveis porque não matamos a criança dentro de nós, ela aproxima-se e podemos ouvir o coração da noite e sentir o perfume das estrelas -, ninguém nos impede de viajar em navios fantásticos e buscar a aurora boreal. Não! Ninguém nos impede de viver e nem a Vida se retira de nós sem que permitamos. A primeira ausência é o medo de sonhar e isso nos faz resvalar para o mundo obtuso dos mortos-vivos e o seu tom peculiar de dizer: Isto não existe, deixe de sonhar! - deixar de sonhar, isto, sim é o mesmo que deixar de viver e não condiz com minha alma de poeta.



DIVINDADE


Podemos criar asas_______frágeis e delicadas como asas de borboletas ou grandes e possantes semelhantes aos grandes pássaros que  ganham alturas e vencem as distâncias, muitas vezes intransponíveis. Vencem as tormentas sobre o mar e sabiamente tirando proveito das correntes de ar quente, planando para poupar energia.  Este processo alado só depende de nós,  de como e quanto acreditamos em nosso poder de criação; porque a força motriz age dentro de cada um de nós como uma fagulha da 'divindade criativa' -, sejamos deuses de acordo com a nossa força! 



Foto: LL



domingo, 9 de julho de 2017

CAMMINUS


Observei o silêncio e o caminho e finalmente pude ouvir o sussurrar das árvores. Descobri a responsabilidade de cada segredo e a eternidade de cada palavras dita e depois que a chuva se retirou das minhas pálpebras, ninguém exceto eu podia dizer do gosto das lágrimas. Algo me atrai além da paisagem e agarrada às minhas inquietações e instintos antecipo a partida na iminência de uma chegada. Tudo é real de acordo com a sua capacidade de sonhar -, ser feliz é obter exito sobre cada sonho e isso só é possível à medida que percorremos o caminho.



                                                 foto: Surel Anjos Uel



quinta-feira, 6 de julho de 2017

SEIS DE JULHO


Não sei quanto tempo permaneci ali imóvel, um intenso mal-estar, misto de dormência transformava-se em luminosidade cada vez que eu cerrava as pálpebras. Os raios e trovões alumiavam as formas de vida que estavam além da janela, além dos vidros embaçados pelo hálito quente da minha respiração. Cheguei a entregar-me aos pensamentos mundanos ressurgindo ao fim de alguns minutos como se fora um desenho de traços imprecisos. Queria renascer obedecendo aos tratados de paz, mas uma embriaguez que sempre guardou em quê de pessoal me manteve e me mantém parada diante da entrada do labirinto. Talvez eu me lembre de como encontrar a saída seguindo a trilha dos espíritos ou me torne imortal dentro dos meus próprios sonhos -, porque eu sei que está na hora de cortar os meus cabelos e sentir a impaciência do vento nas minhas asas -, eu posso voar na exatidão do minuto e perceber cada detalhe e cada pensamento plasmado no éter, todas as esperanças ainda moram comigo e eu desenho flores nos meus pés e a casualidade impele os meus desejos. Sou como sou - nasci há poucas horas e a renovação inspira-me a acordar os pássaros e voar com eles, mas como eu poderia fazê-los acordar? Como?! Se a noite inspira medo deixando-os assombrados... Talvez amanhã ao 'beijo do Sol'-,  tudo  - com exceção de uma única flor - seja a pronúncia da Vida que acende os meus olhos no contorno da sua presença feito uma pintura encáustica. Ela nasceu, eu nasci!



terça-feira, 4 de julho de 2017

DESTINOS



Extraordinário era o vazio e a indiferença das tardes diante do velho carrilhão e seus ponteiros dourados. Só me restava a Rosa dos Ventos  -, florescendo a direção que os meus pés deviam seguir. Os meus olhos desapareciam por entre as nuvens e as suas mãos choviam na natureza das flores; e o desenlace de pensamentos era como o término das noites e o início dos dias - pouco me importava o evangelho da Vida e as suas reprimendas porque ela estava ali e aquela presença me valia contra o mundo. A luta era minha, o caminhar era meu, o apetite era imenso de sabores - Vida era minha e ela era a irmã e era a mãe de todos os Tempos e eu escrevia o seu nome no embaraço das linhas sem saber da gratidão que amarraria  a sua vida à minha. E todos os invernos passaram e eu, já habituada à solidão que amiúde tenta me enlouquecer revelando um pedaço do céu e 1/4 do inferno e suas moralidades excessivamente humanas, me faço em murmúrio a cada instante - como uma prece ante o pão assando no braseiro e a incerteza diante do copo d'água. E mais uma vez ela compartilha a Vida e o sonho para que um dia possamos celebrar a comunhão da existência porque não há diferentes palavras entre nós quando caminhamos juntas em procissão carregando o pranto das velas e a indescritível alegria de poder cantar enquanto a claridade ainda está em nossos olhos. 

para minha irmã Dulce 
( in memoriam)



foto: LL


sábado, 1 de julho de 2017

JULHO

    
Toda trêmula e nua de rendas e sedas, rilhando os dentes na arcada da boca. Ai, que desgosto! Quisera fosse agosto com seus cachorros loucos uivando em dissonância me fazendo assustada  e com olhar pregado neste céu sem lua. Mas agora é julho - e então me beija a boca sem se importar com as estrelas  imperfeitas ou queixumes da lua. Há um súbito verso em cada esquina, um rumor que só amofina e uma sofreguidão de tanto querer - que até me despi das roupas e rasguei a pele no nervoso das horas. Mas que história é essa?! Logo mais eu vou nascer -, se é que me entende?! E por isso ando a sofrer essa tesão que me aflige e me desmaia a razão de existir no seu abraço de bicho faminto. Ah, então me beija a boca, os pés e as coxas porque a noite já chegou por aqui e logo vai virar mais uma folha do calendário e tudo fica 'caliente' quando me morde a nuca e me soa bruto o seu respirar...

para Odur



imagem:  LL


quinta-feira, 29 de junho de 2017

SINFONIA DE UMA NOTA SÓ


Está um dia cinza... Os passarinhos não acordaram (ainda) e o silêncio é perturbador. Através da janela a Vida se resume ao cinza ... Não há solidão ou tristeza evidente,  apenas o céu absoluto envolvendo tudo. Junho é sempre assim_____uma sinfonia de uma nota só! 

quarta-feira, 14 de junho de 2017

TRAÇOS E RABISCOS


A realidade é tão frágil, e eu em completa sintonia com a noite, faço rabiscos numa folha nua, ah, a nudez da folha me inspira a inquietação. Creio que podia ficar assim celebrando cada traço, cada linha, cada curva e glorificando o seu suposto olhar sobre mim e envaidecida derramaria sobre mim, varias camadas de tinta  como se inadvertidamente quisesse fazer parte do meu próprio desenho.


imagem: Luciah Lopez


VINHO SECO



____ na borda da taça a marca de batom denuncia um falso beijo (quisera fosse na sua boca!) Ah, não tem nada não, é só mais um pensamento entre tantos que eu já nem sei mais se não é um delírio. O vinho é seco ao paladar, contudo, não há tristeza nem lamentos, pois ninguém pode pensar aquilo que lhe traz perturbações. Agora é noite... É silêncio nas imediações, e eu me faço prisioneira de quilômetros de distância sem saber se hoje, amanhã ou depois vou poder descansar na paz do seu sorriso. Desconheço essa paz_____ desconheço e mesmo assim, sinto que minha alma carece perguntar-lhe algo. Como é possível? Como?! Se ao deitar-me inerte entre os lençóis, os meus  pensamentos são seus?! Ah, o extraordinário vazio da noite vem rondar minha janela...



*para Odur



segunda-feira, 12 de junho de 2017

VO(AMO)S


Eu sempre quis voar embora tenha nascido com uma asa apenas. A princípio pensei ser isso um castigo, então chorei porque não compreendia a ideia das metades que se procuram e numa quase veneração se reencontram e escandalosamente voam redimidos de toda culpa -, voam porque se pertencem através do Tempo e o retorno à claridade se faz através do amor. E tão maravilhoso é o seu amor, um aconchego de palavras e carinhos que faz o fim daquele suplício de não poder voar - nos abraçamos e voamos juntos.

para Odur


domingo, 11 de junho de 2017

UMA HERANÇA CHAMADA SAUDADE


A sua partida deixou em mim uma lacuna impreenchível e a sua história não passa -, não tem fim porque você vive em cada célula do meu corpo e foi a fonte de vida que glorifica a minha existência. Hoje eu percebo claramente a sua luta no sentido de me fazer entender o mecanismo da Vida pois não é possível viver de relatividades - a Vida é intensa, porém não aceita conformismos e a ancianidade nos persegue a despeito de nos tornar criaturas débeis, mas a sua presença na minha vida não é somente uma foto antiga; é como o sol depois da geada, é como a música embalando o silêncio no mais íntimo e recôndito de mim mesma e isso me faz forte o suficiente até mesmo para chorar a sua saudade enquanto olho para a minhas mãos e esta visão me dá a certeza de que eu guardo somente lembranças importantes, e me entrego a uma vida inaudita levando comigo a sua presença e a certeza de que a Vida não se retira.

com amor, Luciah


para o meu pai Moysés Lopes Ribeiro
(11/06/1917  - 24/09/1988)




terça-feira, 6 de junho de 2017

ENTRE VERSOS



É com muita satisfação que comunico que o livro de estréia de Luciah Lopez como poeta (aliás, brilhante), já está no prelo. Fui honrado em fazer o prefácio da obra, muito bem diagramada por outro poeta, Osmarosman Aedo. Agradeço publicamente esta honra em analisar a obra tão repleta de sentimentos e construída com a alma de Luciah Lopez a quem, de pé, aplaudo agora.

À GUISA DE PREFÁCIO
(a palavra nua)
poesia não é ilusão. Se assim fosse, seria mágica.
A poesia é sentimento. Por isso a emoção.
Faz chorar, rir e sentir. Eis o milagre daqueles
que realmente sabem escrever poesia. Aliás, escrever,
não! Debulhar a alma. E isso, cara Luciah Lopez, você
sabe fazer como ninguém. Um rápido exemplo neste livro
de estréia: "Toda palavra branca é nua...", isto é, palavra
nua, não tem nem cheiro de poesia, equivalendo mais a
uma prosa ou narrativa. Por isso, confesso que me encanta
ler sua obra, agora reunida neste livro.
Encanta-me a solidez do mote. A linha performática,
até, com a qual você vai tecendo o tijolo poético, sob o
prelo do conhecimento prático. Teus poemas me obrigam
à lucidez interpretativa. Essa é a vantagem de traduzir um
insight simples, quase comum, sem rimas lógicas ou perceptíveis,
mas com espectro profundamente desestrutural.
Note-se: "Um dia que não amanheceu/E uma noite que
não se desfez da escuridão." Isso significa que o verso
bem elaborado não precisa de técnica, nem escolas, nem
sofrimentos. Todavia, não deve ser uma palavra nua.
Essa é a grande diferença em sua bela obra. Incitado e
excita o leitor pela condução poética, a fim de que ele
possa construir seu enredo contemplativo, numa hermenêutica
de passo a passo, sob o desenrolar do fluxo
versicular, tirando desse, a maioria das sensações que a
alma de quem lê possa disponibilizar naquele momento.
Isso é um fenômeno clássico.
E como diz Antoine de Saint-Exupéry: "A verdade não
é, de modo algum, aquilo que se demonstra, mas aquilo
que se simplifica." Eis o segredo desta maravilhosa obra.
Então, Luciah, na mosca!.
Jornalista Mhario Lincoln
Crítico literário e presidente da Academia Poética Brasileira.