sábado, 10 de abril de 2021

DE ONDE EU O CONHEÇO?


 

_______ estranho e inquieto é objetivo Tempo. Traz as lembranças e o amor desenhados na pele alva dos papiros. E no retorno à claridade dos dias, insisto em perguntar: - De onde eu o conheço?! Não há caminhos entre os veios da memória, que eu não os tenha percorrido, sem contudo, encontrá-lo. Haveria talvez, um outro caminho, que em algum ponto tenha se cruzado com o meu e assim, deixado as suas marcas indeléveis para que pudesse encontrá-las?! Os meus ouvidos são acostumados às suas palavras e a sua risada faz eco no meu coração. As marcas que no pó da eternidade servem de molde aos seus pés, e as suas mãos se encaixam nas minhas mãos, como se o fossem correspondentes pares. Minha sombra reconhece a sua sombra e na minha boca -, a sede é da água da sua boca. Os seus olhos enfeitiçam o meu olhar tal qual nachash enfeitiça o olhar do pássaro. Minha alma se perdeu da sua alma e havia de sofrer o medo da solidão absoluta - a noite sem lua e nem estrelas. E todas as manifestações de tristeza se passaram por mim e antes que me pudessem consumir, me sentei à sombra da grande árvore e perguntei: - De onde eu o conheço?! E a serenidade da resposta, foi como o perfume dos narcisos, que à beira d'água, desabrocham seu olor embriagando nosso olfato, nos dando a salvação de sermos dois em um.



imagem: Sementes ao Vento

Aquarela sobre papel Canson

Luciah Lopez


quarta-feira, 7 de abril de 2021

NATUREZA ÍNTIMA

 


Tantos são os caminhos e tantos são os espaços que se apresentam em busca de uma postura interna como forma de redenção.  O destino permanece na condução da existência humana auxiliando aqui e ali nas tentativas de avanços vitoriosos sobre a própria vida. Cada passo dado ordena sucessivos desejos, e as oportunidades de realizá-los se tornam visíveis, tão logo sejam avistadas - flores na linha imaginária do horizonte.

                     

 

Imagem: Série Flores

Aquarela sobre papel

Luciah Lopez

 

 

 

domingo, 4 de abril de 2021

ESQUINAS






 

 “E era outra a origem da tristeza. 

E era outro o canto que acordada o coração para a alegria. 

Tudo que amei, amei sozinho". 

Edgar Alan Poe 

                                                          

ESQUINAS


Não me compadeço deste grito que alcança o infinito e chega  escorrer enquanto as portas se fecham. Não me compadeço  deste horizonte entalhado, que aparta o dia e a noite incendiando cartazes de ninfetas esquálidas, erráticas. Anjos da discordância que sucumbem na solidão cárnea que arrebata a cor de cada olho cego. Não me compadeço nem deste sol a pino que seca a mão e o ventre daquela que inutilmente pode parir, e esconde sob o lençol sujo de sangue e barro, colocando-se  na mira das carabinas. Não me compadeço destes pássaros famintos e suas asas abertas, estendidas nas paisagens da imaginação revelando a densidão de cada voo, nem das suas carnes magras que revestem a brancura dos seus ossos enganosamente imortais. Não me compadeço desta multidão enlouquecida e seu cheiro de urina e suas sombras decapitadas e seu riso febril, instrumento das ladainhas que mistura angustia e cal, no pão seco dos filhos desta fome. Não me compadeço dos meninos e suas dores, do sono dos homens, das mãos calejadas, do relógio que desandou, da aliança que não se fez, do sonho que acabou, do cheiro do estrume, da lágrima da virgem, do pó da terra, do leme do barco, da vida em riste, do muro triste, da menina que ri. Não me compadeço do amor e seus tormentos, seus véus caídos, seus aleijões, sua desfigurada sonolência, sua incerteza, sua covardia, sua dor e seu humilhante ofício de enganar. Não me compadeço da vida nem da morte. O que me seduz  é esta desesperada solidão arquejante aflita, quente, sofrida. Me engolindo, me castigando a amplidão do olhar que ainda contempla noites frias e azuis onde o silencio propicia o corte preciso e suave e o gotejar solene deste vermelho delírio insano que corre em mim.