quinta-feira, 29 de novembro de 2018

ENTRE LAÇADAS & NÓS


Fusão

Minha alma em tormo da sua alma
se tornou um nó
apertado e sombrio.
Cada volta do laço sobre o humano
torna-se raiz, para se apossar
profundamente
e é um abraço infinito e longo
que nem a morte romperá.
Você não sente como eu me nutro em sua sombra?
Minhas raízes foram traçadas em suas raízes 
e quando você quer desatar o nó,
você sente que o machuca em carne viva
e que em sua ferida
o sangue jorra de você!
E com as mãos você cura a ferida
e aperta o nó com mais força.

Juana de Ibarbourou




terça-feira, 6 de novembro de 2018

A APARENTE FRAGILIDADE DAS FLORES




Alternam-se sol e chuva, luz e sombra enquanto espero a paz que vem do seu sorriso e do seu olhar. Talvez eu chore amanhã. Talvez meu dia nem amanheça e o céu não me dê um sorriso azul. Há muito mais espinhos do que flores e muitos desejos fugazes se fazendo presentes. Há na ponta dos meus dedos uma sensação que me apavora enquanto me devora e solta este animal exótico que te seduz. Preciso desta textura, deste estágio e destas rendas que me realçam enquanto me preparo para você fazendo do meu corpo, o seu relicário. E dos frágeis vidros coloridos, óleos e sândalo perfumam minhas fantasias, naufragadas em espumas e aquecidas em água morna. Preciso destas formas e cores, destas horas, sozinha comigo e com a espera pelo contato das suas mãos em minha pele.Preciso da claridade das suas flores brancas neste jardim sobre o meu corpo enquanto te afago e beijo. Preciso dos seus olhos na claridade do meu amor e o seu amor eterno em mim.


Luciah Lopez


segunda-feira, 5 de novembro de 2018

HORA DE DORMIR



Chegou a hora de me deitar. A janela filtra a luz da lua criando desenhos na parede _____alusão à Kandinsky?! Um sopro de vento frio balança a cortina e desfaz-se os desenhos, a parede volta a ser nua e a nudez da parede é como a minha nudez, e eu penetro a dolorosa sensação do vazio.
Excepcionalmente, eu consigo esquecer o vazio, mas durante a noite, a hora dos pesadelos eu me sinto incitada a fazer perguntas desordenadas como se fosse possível obter uma resposta não irônica, não trágica, uma vez que a minha capacidade de entender as particularidades contidas em falsas verdades é bem acentuada. Novamente uma lufada de vento frio move as cortinas. Está frio, mas eu me sinto muito a vontade assim, e mantenho a janela entreaberta e o vento frio da noite resfria os meus pensamentos enquanto eu me aqueço debaixo do edredon. Os meus olhos estão tão cansados, mas ainda buscam as palavras que não chegaram, ainda evocam a figura que está guardada no meu coração e o Tempo parece mesmo que não tem fim...
Eu percebo que Asgard é assim - um sopro. Ah, deixa pra lá, melhor voltar à realidade, este fiel antídoto que tomo aos goles antes de dormir e que me mantém viva, mesmo no meu pior pesadelo.



arte visual: Luciah Lopez


FRIDA KAHLO



Na bacia de louça
se despe das cores ((aquarelas)) azedas
escorrem das tetas
em ca_chos de cachoeiras.
Se olha no espelho!
O que é, não está nas curvas 
nem no buço_____________olhos belos
sabem do azul 
que recobre as paredes do coração
e no sombreado da rua
o beijo que beija a própria boca.



imagem: Luciah Lopez 
aquarela sobre papel canson

domingo, 4 de novembro de 2018

TECENDO PALAVRAS




E me chama de irmã - a poesia
e me faz diversa entre as mulheres
e quando chega aos meus pés
a réplica dos seus passos
eu me faço estrela - inefável aos seus olhos
por detrás das cortinas - entre o cárneo das paixões
e o rumor do seu coração na caixa sonora do tempo...

[Alfazemas são queimadas sob o sol
e a deidade senta-se ao meu lado
(permanecemos primavera por todas as estações)
e mais do que nunca
o perfume das alfazemas incensou-se
permitindo-me tecer palavras na pele do mundo.]

... e o seu coração de infância e riso
de súbito adormece entre as minhas mãos
absolutamente puro - como uma criança...

[ Nas alturas do mundo
estrelas são acesas e
as caravelas navegam o infinto mar
do meu coração]


Luciah Lopez


imagem: Lucia Joyce

O AMOR



Tantos momentos onde a dor é a única companhia e a introspecção me faz perceber o quanto somos confusos diante do Amor. Diversas situações clamam por uma resposta imediata, contudo, a objetividade é dissipada mediante palavras escritas ou mesmo pronunciadas. Tanto espero em função de vivências, que se criou um triângulo inexato, que me leva a buscar um canal por onde possam fluir as respostas para o que eu não entendo, porém vivencio. Uma certa impaciência se faz presente, mas o amor privado da consciência reflexiva me mantém onde sempre estive e estarei. Valorizando o sentimento, eu  priorizo o que foi estabelecido mesmo antes da certeza do amanhã. Assim é o Amor: um elogio íntimo que nos mantém reféns um do outro sem que nada se altere.





imagem: EViriato



sexta-feira, 5 de outubro de 2018

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

EXISTÊNCIAS




É dele a voz que me acalmou 
me resgatando de mundos que transfixam corpo e alma
na indulgência do amor distanciado.
É dele a presença iluminada 
brancazulada que tira longe os despojos e as dores
que ferem os meus pés na impiedosa travessia dos séculos.
É dele a boca que me deu o beijo
sal da vida nas primeiras horas da minha existência.
É dele a mão que me ampara e cura as minhas feridas
embriagadas de desejo nas profundas do meu ser mulher.
É dele a certeza do amor porque eu me despi diante dos seus olhos
e caminhei nua no seu coração 
e sou eu quem bebe o gole de absinto e fel
enquanto os dias saltam do calendário preso em paredes imaginárias.
É dele a pele, os pelos, a verdade, a mentira, a sede, a fome, a febre, a dor
a vértebra desviada, o sangue, a saliva, a urina, a noite e o dia
o sol no riso solto, a lua no olhos inquietos.
É dele o meu amor, a minha veia, o meu sangue, o meu pulso
o meu riso, porque eu chorei e morri a minha morte pra renascer
todos os dias e noites na musica da sua voz.
É dele o meu amor porque não se explica a existência da alma
nem a covardia de não saber amar.




segunda-feira, 17 de setembro de 2018

SOPRO


o tempo parou no instante em que as suas mãos tocaram as minhas coxas
enquanto eu me 'amontava' sobre você tal qual Coco e Stravisnky,
lá fora o mundo caía aos pedaços na modorra da tarde e nós dois, um dentro do outro na completude do ser nos fazíamos criaturas divinas e pelo viés do meu decote meu seio na sua boca alimentava o menino de ontem e o homem de todos os tempos .
sou a cria de todos os seus desejos batizada no seu gozo, apaziguando as minhas entranhas - carne vermelha - alma transparente no reflexo dos seus olhos para sempre presos no meu olhar.


Luciah Lopez

domingo, 9 de setembro de 2018

VÉRTEBRAS


Acordei dentro das suas dores, como parte das suas vértebras, da sua coluna, do seu eixo.  Sou parte da sua medula, do sangue doce que corre pelas suas veias, vasos, artérias, vênulas. A dor dos seus punhos, do seu 'muque',  é nas minhas mãos,  feito o seu cansaço buscando o aconchego das minhas palavras, porque não estamos sós, nunca estivemos e nunca estaremos. Sou parte sua, parte da sua dor, parte do seu êxtase de viver e sonhar a ancestralidade da carne que desaguou dentro de mim e agora navega os meus rios de infinitas corredeiras. Todos os unguentos estão nas minhas mãos, que se perderam na geografia da sua pele entre afagos e suores restituindo a sua paz.

para Odur

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

VELHOS PRESSÁGIOS






No sopro do vento em cada grão de areia uma solidão agreste 
desemboca na foz do coração. No lombo ardido a sangria chove a solicitude das notas azuis de um antigo blues.
Pés descalços entre passos, longa demora na dança delírio na porta agora fechada. No leito de um semi-deus, arreios caindo imensos vazios anseios de mulheres apupos e aplausos. Pé ante pé meu olhar se detêm nas voadoras palavras que acompanham o teu nome. Incoerência é soluçar agora. Recostada nos muros da memória desfaleço. Ainda um impulso de beijar tua boca distraída bêbada e definitivamente minha. A mim não importam os sonho. Vagabundos sonhos soltos no vácuo pálido das parede sou escondidos no muro dos quintais . São como os dentes-de-leão que sopro ao vento, repetidamente sopro ao vento. Matizes febris na ligadura das duas luas a sua e a minha. Salientando esta distancia de sombras e escombros e raízes expostas e brocadas, ouço uma música inacabada e tropeço um gesto convexo procurando teu corpo na fúria brejeira que me toma e escorre por minhas pernas no momento exato que o meu sol explode em tuas mãos deixando-me nua diante do menino que existe em você.

para Odur



imagem: Tomaz Alen Kopera


PENSAMENTO HORIZONTAL



o vento anda cansado de tanto correr mundo não há mais bocas vazias onde o eco faz morada a inquietação ri enquanto unhas são roídas e o rosbife é tostado em fogo baixo janelas se abrem sobre o pensamento horizontal e as palavras satisfeitas em vestidos de noiva antecedem o enlace/desenlace valesse a lembrança do que foi dito o olhar se perderia num buraco negro e a fumaça de mais um cigarro não seria nada a não ser a desfaçatez da corrente e dos ponteiros marcando a hora e o tempo entre a ferrugem e o anoitecer



quarta-feira, 29 de agosto de 2018

O PRIMEIRO VOO


Tantos passos eu tive que dar e resplandecer na distância até chegar à mim mesma e me descobrir revolucionária em busca da felicidade. Vieram os anos e a permanência daquele milésimo de segundo, entre um click e um piscar de olhos mudou a minha história. A minha existência desprendeu-se de mim e os sentimentos confessaram o meu segredo em PLENILÚNIO -, me senti aliviada. Enquanto eu vivia os meus sonhos, a vida elaborava as minhas asas para o momento exato do meu primeiro voo. Era certa a maneira do voo e da paixão legendária emplastrando de amor todo aquele espetáculo entre as colunas de águas coloridas e as calçadas estreitas em meio às tardes suarentas . Eu sempre quis estar naquele lugar, desde sempre o meu olhar se fixava nas pedras que pareciam boiar nas águas do rio ou acompanhando o singular voo dos pássaros por sobre os varais. As religiões me falavam do tempo e dos sinos, como se o espírito daquele homem e o meu fossem, um parte do outro - uma pintura de Gossaert revelando a nudez diante do paraíso. A réplica de todos os amores e a perfeição nostálgica dos corpos se encaixando enquanto a tarde morria lá fora.


para Odur


sábado, 25 de agosto de 2018

MIGRAÇÕES





o dia começa
meu pai está aqui
a vida e a morte andam juntas
feito a ferida e a casca
 a repulsa e o nojo são os cavalos dessa loucura.
cavalgando a poesia na pressa do existir
me acostumei ao suor e ao fel 
como as anêmonas e os peixes à solidão abissal.
vejo o meu sangue no espelho quebrado
 e os meus ancestrais gritam 
em cada glóbulo e em cada hemácia recém nascida
 um pouco da tortura dos corvos na carne abjeta.
sei que não sou de lugar algum
a raiz e nem a flor
assim como a abelha que faz veneno e mel
sabe a razão do seu breve existir
ou mesmo conta os dias em cada pôr do sol
ou a sanha do tubarão entorpecido
é tormento praquele que será o seu alimento.
jamais voltarei a olhar àqueles olhos de adeus
porque cada um sabe a urgência dos seus passos 
os caminhos de ditadura eterna são o interior da serpente
ossos vísceras e vértebras 
regem a peçonha na malemolência da língua.
meu pai está aqui
segura a minha mão e
me conduz pela sala
pelos quartos
sobre os livros empoeirados e mofos
pelas engrenagens do velho relógio
pelos quadros antigos 
pelo quintal e jardim.
entre espinhos sombras e a escuridão das palavras rotas
todos os meus medos uivaram
desatrelando a velha canga 
livramento do espinhaço sob o peso das asas molhadas.
é quase noite na inércia dos pensamentos
meu pai segue ao meu lado
é preciso catalogar as misérias 
cortar do corpo os brotos e figos podres
olhos de peixe e calosidades
e indagar pelos cachorros perdidos e sem nomes
dar-lhes nomes e água para beber.
quem sabe isso os faça voltar a um estado de felicidade
quando as chuvas retornarem molhando a boca da terra.
gatos e cachorros bodes e cabras
homens e meninos sem nome caminham lado a lado.
em sua cegueira são como aves migratórias
que perderam a rota voando em círculos
tudo passa por mim como miragens.
ilusórias são as horas os dias os meses os anos
a resposta é dissolvida e desaparece na memória
eu não me importaria tanto com a dor
não fossem esses pássaros famintos voando ao redor
com seus olhos de rubi e seus bicos de jade.
meu pai me perguntou: qual o seu nome? 
jamais pude responder
mesmo raspando a minha pele com uma faca
nunca descobri o meu nome
isso dói demais por me sentir como animal selvagem
acuado
farejando no ar a umidade de uma chuva vindoura
anunciada em nuvens escuras.
aquela presença não decodificada
se avoluma em maré sanguínea e engole a lua e o sol
e todas as notas daquela canção
fazem silêncio agora e o céu escuro 
é denso útero de precárias tiranias
meu pai solta a minha mão
e eu experimento violenta e ofensiva tristeza
de estar só.
tive mil vidas.
terei mil vidas.
e a substância adocicada que escorre dos meus poros
é o avesso de cada lágrima que não chorei.

L.Lopez

.
imagem: Odd Nerdrun

BLUE



Amanheceu e os meus olhos rasos ainda acostumados com a noite, se fecham, dando à minha alma, o tempo preciso para que acordem os meus pássaros e despertem as minhas flores iniciando a liturgia da vida. O silêncio é o frio lá fora, mas a poesia pulsa e vibra numa clave de sol dando alento ao coração de todos nós.


sábado, 21 de julho de 2018

ÚLTIMA CRÔNICA


Num instante a vida virou de ponta cabeça! 
____ um fonema virou poema um beijo virou um queijo e a noite coquete chafurdou em ais e tais num despertar em falsete. Mas a vida é tão bela, e não tem porta ou janela nem zíper ou taramela pra fechar a boca do mundo. O poeta é falsário, a poesia um rosário a felicidade é um aquário____ nadar em círculos fortalece o peitoral e dá mais força ao trapézio equilibra o 'triangulo' e faz do olhar ____um ângulo trepidando cai pra lá, cai pra cá. Dentro de cada armário um monstro que nos visita em sonhos gélidos de pavor, mas o amor mora logo ali e sempre pode nos salvar - a todas (os) - é só uma questão de 'ficar na boia". Hoje fui a Montreal, levei um presente, mas não tinha ponteiros - levei sementes, mas elas não germinaram - morreram de leucemia. Voltei para casa volitando entre as palavras e estrelas, sem perceber o peso do sabre no meu pescoço - emudeci feito um livro sem páginas e acordei com o sol diferente iluminando o meu quintal. Olhei para as minhas mãos, estavam vazias mas no chão, sombras de muitas mãos. Umas acenavam, outras se acariciavam, outras me indicavam direções contrarias querendo mostrar que toda espera é em vão. E por que não?! Mas a fogueira ardeu com precisão, abriu uma clareira fez fumaça, ardeu os olhos no espaço onde tudo é luz e tudo esta ligado a essa luz que flui para mim, afiada e mortal como corte da navalha na insignificante presença orgulhosa permeando a escuridão. Depois disso, perdi o sono-, rabisquei apressadamente num pedaço de papel e guardei sob o peso Tempo. Guardei sem ao menos fazer uma leitura, mas desejando que fosse uma crônica alegre... não sei a razão do pensamento, mas enquanto eu preparava o café, me lembrei de Sabino: "Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."

Luciah Lopez.

domingo, 15 de julho de 2018

NEM TUDO É LENDA



O que me encanta é essa maciez da sua pele e os seus pelos ao vento das carícias plenas. O que me encanta e me faz perder o juízo, é a 'fundura' do seu olhar e o rastilho de pólvora que é o seu pensamento. Ah! se o tempo parasse agora e a noite pudesse nos livrar desse abismo que nos separa, não haveria mais escapatória-, seríamos a conjugação do verbo amar.

ENTRE O DELTA E A ESPADA



Por que foi, que Deus criou a mulher com seus versos alcalinos e seu olhar profano? Deu-lhe alma possuída de pecado e santidade – prostituto desejo de amar esmiuçando a carne e o ventre em rosa flor. E tu, em adoração e ternura na orgia exaspera a carnadura, entregando-se à tortura de amar sem ter razão. Entre o delta e a espada - a flor e suas pétalas - orvalho, manancial, vertente de peixes nadando na imensidão do teu rio de infinitas mortes, sem nunca saber quem é cativo de quem.


imagem: Roberto Ferri

sexta-feira, 6 de julho de 2018

HUMANOS



_____ anoitece tão rapidamente e os fantasmas saem de seu silêncio sepulcral. Quem chora a aventura de um pensamento, não sabe da alegria da chuva que mergulha no mar. O meu olhar comete o pecado, mas a sua palavra é a salvação que acomoda no meu coração, a sua condição de menino. Sou a veladura na sua imagem, livre e adequada à imensidão do amor e onde você estiver, eu serei com você a resposta e a certeza do ontem e do amanhã na discrepância do tempo, porquê o amor, eu sinto dentro de mim e entendo a sina de quem vive os próprios sonhos.



imagem: Alicia Tormey

ROTA


Percebo que a rota é longa e eu só confio em gente que se espreguiça entre um bocejo e outro e não se cala diante do inesperado. Não é de tristezas ou remorsos que o caminho é traçado e não se agasalha a solidão em pratos de porcelana ou sangria em velhos copos de cristal lapidado. Eu não navego à toa -, meu navio tem leme. Entre mar e terra tudo é opaco, e morrer não significa o fim, apenas  o começo de um outro voo de natureza humana. O vento não aguenta a solidão e estende as asas para qualquer lugar. Eu voo por aqui e não existe uma distância que não possa ser vencida no sopro desse vento. Haverão outros dias, outros caminhos mas uma só direção.


segunda-feira, 2 de julho de 2018

AVESSO DE MIM



O vento que açoita meu rosto levanta a poeira dos cabelos do milho acariciando os grãos adormecidos no ouro de cada dia. Meu grito engasgado amarga a minha boca e acorda o pássaro que me habita as entranhas. Sua agonia e dor me causam sofrimento enquanto que com suas asas me acolhe em porte de cruz. O seu cantar é pura tristeza quase um lamento que não cala e não arrefece fazendo do meu coração altar onde a minha alma é imolada dia a dia. Este pássaro quer voar, sair de mim, ganhar altura entre as nuvens e olhar o dorso da grande cobra d’água, solitária, adormecida entre a canarana nas rebarbas do rio. O meu pássaro viajante me dá seus olhos para eu ver mundo, a dor e seu coração para que eu possa viver mais um pouco e alcançar as cores da aurora boreal.


NA TUA PELE / UM POEMA VIVO


Quero um poema vivo.

Quero letras/línguas
lambendo a pasmaceira do meio dia/hora inteira
na memória variante
que resguarda a tua ausência.
Quero devorar a contemplação da tua imagem
eterna – gravada em mim – partícula que me navega
onde quer que eu vá...
Sabor da tua saudade [quero] no eco das tuas risadas
e nas palavras entre[cor]tadas
no teu silêncio/boca/fome de mim
tua fome em mim [quero] sempre assim.
Entre a perfídia e a sombra que assombra
quero mais de você
mais muito mais que um simples e solene beijo.
Quero os teus sonhos, as  tuas verdades, as tuas risadas, os teus voos, as tuas dores, os teus suores, as tuas cicatrizes - as tuas incertezas.
E da tua pureza, quero a pressa com que me acalmas
Quero a lascívia do teu corpo
No fôlego da tarde [catando prazeres]
Nos deslizes da minha língua na tua orelha...
quero amar o teu amor menino
entre as paredes nuas
e o chão riscado que esconde os olhos
porque eu te amo.

Voo nos teus braços/voo de pássaro aprendiz...

...buscando pouso nas tuas mãos (...)
Eu quero amar um poema vivo
Quero o poema na tua pele
Sou o poema que
eu escrevi...


para Odur LAM

sexta-feira, 29 de junho de 2018

OLHARES TROCADOS



_____ o olhar desvenda a mancha e a janela sinistra é passagem e passageira. É chamariz de toda verdade quando exibe o vazio que não existe além da nossa compreensão e enfatiza os desejos à medida que o tempo (inexorável) se adianta. Evoca a alma e da alma os lamentos qual fera parida ao perder sua cria...
... e se pergunta: qual o meu lugar nessa história?!
A confluência entre a dor e o amor, o estar e o ser a captura da imagem manifestando o gozo, a vida, o amor e a paixão entre o nascer e o morrer de cada dia. A relação ambígua entre sonho e realidade questiona cada gesto, cada olhar enfatizando a presença reconhecida durante toda uma existência contida no espelho se desdobra em facetas - enigmas redirecionando o olhar o entendimento e a ação.


imagem: LL

quarta-feira, 27 de junho de 2018

AMBIGUIDADE


[ ! ] ____há cem mil anos o que era escuridão transformou-se no sobejo da vida e  o árduo silêncio imposto àqueles seres despidos de pele e ossos destinados de antemão ao caos absoluto, foi interrompido pelo nascimento da luz. Todos os despojos da consciência primitiva convergiam a um mesmo ponto: o nascimento do coração humano. Tum...Tum...Tum... Tum... E a primeira palavra ecoou na grande câmara cardíaca vibrando as cordas tendíneas, fazendo a eletricidade percorrer cada célula, cada partícula da existência humana. Olhos foram paridos em talhos longitudinais e as formas distintas entre a luz escuridão  criaram a poesia do nascimento. Olhos recém paridos e a iminente aparição do amor vindo em sua estrela de luz -, acordaram o torpor de Bakhtin, quê, transmutado em basilisco de vidro devorou o coração do amanhecer.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

SOLSTÍCIO

O pensamento pairou sobre mim, ousando revelar o teu olhar de sol na conformidade do meu mais íntimo sentir. Parte da verdade absoluta esta no meu corpo, que arde enquanto executas a sinfonia na confirmação da tua glândula e nos teus cristais e no teu delíquio. O frio penetrado na inadimplência do falar se recolhe na unção dos teus líquidos quê, derramados em brancos filetes, desenham filigranas solenes na insensatez da noite ancestral. Sigo caminhando ao seu lado e não estamos sós - somos hoje o que fomos ontem em essência e o que seremos amanhã em carne.
E na linguagem de todos os nossos 'eus' o olhar dos deus -, é sobre nós.

para Odur




segunda-feira, 11 de junho de 2018

PRIMORDIAL



Muitas tardes na minha vida eu olhava através das janelas destituída da esperança que nos mantém vivos e permanentemente à espera do amor. Ouvia ao longe os sinos e as ogivas riscavam o céu. O mundo luminoso contemplava o fogo e os caminhos eram diversos. A minha alma era diversa de mim. Qualquer que fosse o meu pensamento, era a tristeza quem falava. Era a tristeza quem desenhava moinhos de vento nos muros ao redor aprisionando os meus passos. Abandonar-me à solidão era professar o meu fracasso-, era perder-me entre as folhas de um velho livro e adormecer nas poesias de Quintana e acordar nas cartas de Nora Barnacle... O tempo era avesso ao amor e ao delírio de amar. Durante os dias que se seguiram, houve um certo embaraço, um certo ardor e depois tudo mudou. A visão tremeu diante de mim e eu já esperava por isso, então, me soltei em sonhos inacessíveis porquê a sua presença era alheia à minha vontade. Houve sístole e diástole e um reviver do sagrado que há em nós. _ Onde estivera? - e o mundo tornou-se a minha casa assim como a minha poesia  recobriu a máscara brilhando você bem aqui, dentro dos meus olhos __para sempre seus.

para LAM



quinta-feira, 31 de maio de 2018

CONSIDERAÇÕES


Considerações

Pouco tempo antes da minha salvação eu era os olhos do mundo e dos demais discípulos à minha volta. Aos olhos de todos, uma tarja de luto flamejante e um cálice de água benta. O velho ancião, cujo semblante suscitava melancolia, acendia os relâmpagos riscando o céu despido de estrelas. Ninguém podia sonhar. Ninguém podia sorrir. Os disfarces, as máscaras eram feitas de pesado metal retirado do útero da terra e cobriam a vergonha de todos. Não havia esperança. Uma singularíssima tristeza recaída sobre as crianças, impedia as orações e os folguedos. As sementes secavam amontoadas pelos quatro cantos sem a possibilidade germinar, impediam a rosa de exalar seu perfume. Os poetas calaram a poesia e o mundo silenciou. O sangue não era vermelho, as veias se prendiam em imensos teares na trama e urdidura dos ossos e o constrangimento dos antepassados era semelhante ao do pássaro que não pôde alçar voo. Uma pedra rolou montanha abaixo abrindo uma ferida por onde enxofre e lava causticante fizeram um rio. Caim dançou a morte e a redenção, e pássaro azul voou através daquele céu plúmbeo indo pousar no meu coração. Estava consumado.


ÚLTIMO POEMA DE MAIO



Quando a noite deita seu véu sobre a terra
meu coração se cala.

Mi'alma se cala, emudece e eu penso: porquê o meu amado não está ao meu lado, se o amor se faz presente em nós?
Tristeza maior não existe, que a ausência dos beijos teus
mesmo sentindo o teu amor a me envolver nas horas da tarde em suspiros e doces ais, meu coração clama, meu corpo reclama, mi'alma padece...

...ah, meu amor adorado, meu anjo de luz resplandescente, tua imagem, dos meus olhos não desvanece, e as tuas águas de flores brancas em cachoeiras amenizam a saudade da tua essência.

Último dia de maio...

Três estações se passaram e o meu amor e seu, seguem juntos. Fomos um no outro ungidos com óleo e bálsamo e as nossas silhuetas ficaram impressas no linho branco que recobre o Tempo.

Faz o caminho da nossa saudade, e lê estes versos suplica mi'alma
repousada em dor silente_____sempre a tua espera
pois o amor é dádiva da vida e não da morte.

Ultimo dia de maio e o teu ciclo se fecha dentro do meu. 


Para LAM




imagem Faisal Iskandar


terça-feira, 29 de maio de 2018

CÂNTICO DO PURO AMOR


CÂNTICO DO PURO AMOR

Caminhei sobre as folhas secas de outono, tingidas de sangue e ouro. Minhas vestes, em trapos se tornaram expondo a nudez da pele, os meus cabelos desgrenhados, as minhas mãos crispadas faziam sangrar o relicário acordando a sua imagem. Eu era a dor. Eu era a consistência da dor. Nem mesmo as aves noturnas, fugitivas do umbral e presas em teias pegajosas, eram minhas companheiras. Era a dor. A mais angustiante dor desfazendo os sonhos e a vontade de viver. A salmoura corria nas minhas veias e a planura dos meus ossos doía-me na urgência da lava fervente. Não havia horizonte aos meus olhos, porque não estava o meu amor ao meu lado. O negrume dessa noite recai sobre o coração dos homens, reparte amor, em tristeza e solidão. Há quem pense serem fantasmas, que, acorrentados à consciência da carne maldizem o amor, transformando açúcar em sal, ouro em pedras sem valor. Alimentam o monstro que os consome diuturnamente e reinventam um céu sem estrelas...

Era o sexcentésimo septuagésimo sexto dia!
O meu olhar finalmente encontrou o espelho dos seus olhos
Morri e perdi a conta de quantas vezes renasci
Menina
Mulher
Sacerdotisa do seu amor
Amante do seu corpo
Mulher
Menina
Nos seus sonhos.
Naquele momento
Na ansiedade suarenta das mãos
Que se reconhecem ao primeiro toque
Não existe passado
Não existe futuro
Existe a procura
A sede
O sonho
A vida
O amor
A fome
O desejo
E o beijo se derrama liquefeito
De afogamentos em ondas convulsivas
Em nossos lábios náufragos.


... um céu sem estrelas é manto de veludo jogados aos pés da santa, é mortalha do Sagrado Coração pendurado na parede que acende o medo nos seus olhos de menino...

Era o meio do dia!
“Dê-me as suas as suas mãos
As minhas são suas”
Passos e caminhos
Pedras gastas
Calor
Ruas
Carros
Praças
Casas
Portas
Escadas
Porta
O mundo girando a sua presença
Feito um anjo em carrossel
O meu paraíso
O meu pecado
O dorso
O reverso
O côncavo
A fonte
A dádiva
A fêmea
O Macho
Alfa e Omega
A pedra
O sacrifício
A dor
O prazer
A vida
O amor

... nas águas de um rio batizei os meus pés-, deixei para trás todas as mulheres que eu fui, todas as mágoas, todas as lágrimas e renasci criatura ante o criador. Recitei um salmo, colhi uma flor, comi uma fruta, beijei suas mãos, afaguei seus cabelos, respirei o seu sono, me aqueci no seu corpo adormeci em você pra nunca mais acordar em mim...

“Será que isso é amor? Um puro amor, uma quase maré?”

... uma praça, uma igreja, poesia de boca em boca ____ sua boca e a minha seu olhar e o meu____um pedaço de pão, um gole de café, sua risada e um beijo gelado de sorvete. Uma foto na janela, uma cerveja outro beijo, uma subida e uma descida, um cigarro e um descanso, seus pés descalços, seu corpo nu, cicatrizes, maciez, ternura, sua boca, seus dedos, um papel, um livro, uma foto. Uma janela de vidro, um rio e suas lembranças... uma libélula pousa na minha mão____ isso é amor sem ter começo e nem fim. Somos dois, somos um e o tempo brincando ao redor daquele menino...

Só um menino...
Só um menino/amor





para LAM