sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

FELICIDADE

 



Todos nós desejamos a felicidade, seja em qualquer estágio da nossa vida, costumamos verbalizar esse desejo de forma a torná-lo mais próximo, mais real. Damos o que temos, fazemos o que podemos para superar nossas dificuldades, essa é a "meta de excelência" que levamos vida afora. Muitas vezes nos tornamos vulneráveis, porque supúnhamos estar vivenciando uma felicidade duradoura, coisa que nem sempre acontece, contudo, a maturidade também nos ensina a resolver nossas dificuldades mediante aprendizados até mesmo dolorosos. Posso dizer que aprendi algumas lições, neste último período da minha vida, tive alguns sobressaltos, algumas situações conturbadas mas, as respostas vieram dos mais inusitados lugares e formas; confesso que eu ansiava pelo término deste ano de forma a não carregar mais angustias ou medos. Finalmente tudo fará parte do passado e a inspiração é privilégio que me acompanha, todavia, não posso me esquecer que as dádivas que Deus nos concede, devem ser constantemente divididas para que se multipliquem. Pensando assim, costumo não fazer julgamentos ou críticas que possam causar mágoas, somos o sal, porém não temos o direito de salgar feridas alheias. Estou priorizando a felicidade de ter momentos comigo, de me conhecer e superar minhas limitações, dirigir a própria vida é gratificante, tão gratificante que se torna possível receber outras pessoas e sorrir e sonhar e fazer novos planos. Quem não for diverso a mim, será sempre bem vindo, pois a vida é uma via de mão dupla. Vambora viver!!


Feliz 2022!



quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

UM ORGASMO DE TODAS AS CORES

 


Respira-me entre as tintas entre as cores, sobre  papéis e folhas, respira-me. Respira-me entre os livros amarelados e velhos jornais estereotipados. Respira-me na ausência da luz e na sombra das velas, nos cantos nos becos, nas ruas e nos campos, respira-me. Respira-me na terra úmida, na relva, nas flores, nos frutos maduros. Respira-me no olhar dos bichos, na cantoria dos pássaros, na malemolência dos rios, na alma dos peixes, respira-me! Respira-me nas tuas mãos a extrair da terra a gema preciosa, a pedra encantada - o olho do dragão. Respira-me quando preso à tua vestimenta de homem, respira-me na tua pele nua - vestimenta de macho que ao me possuir derrama-se em suores saciando a minha sede liberta-me de todos os pudores dissipando a condição dogmática que me impede o retorno ao primitivo. Respira-me pelos teus poros, pelas tuas veias, pelas tuas entranhas, pelos teus olhos, através dos teus sentidos. Respira-me pelo teu sexo - elo entre os mortais - respira-me até eu me adonar de ti e não restar mais nada nem de ti e nem de mim na combustão dos corpos um orgasmo de todas cores e a finalização do homem  no renascer do sagrado. Respira-me...



Imagem: Obra do artista plástico Dhi Ferreira - Curitiba PR

www.dhiferreira.com.br

domingo, 19 de dezembro de 2021

A ILUSÓRIA DA LUZ


Um dia eu resolvi me calar. Examinar os aspectos da vida pode levar anos e, todos os pensamentos fragmentados serão novamente avaliados de forma um pouco mais madura. Sei perfeitamente que nem assim, as nossas virtudes serão maiores que nossos defeitos - isso aos olhos de quem nos vê e, contudo, não nos enxerga. Daqui, onde eu me encontro, posso dizer que finalmente me encontrei. Houve um processo interior, um desapego existencial não aflitivo, não sofredor mas, necessário na linha evolutiva vertical. Por outro lado, a geometria sagrada presente em todas as coisas me revestiu de um forte sentimento de compaixão - posso finalmente olhar e enxergar  sem transgredir as leis naturais mas, isso não me torna melhor do que ninguém, apenas não mais  vinculada a uma condição ilusória que oferece brilho para quem não sabe acender a própria luz.


imagem: Sossego

                                                                                        aquarela s/papel Canson

       Luciah Lopez

   


domingo, 3 de outubro de 2021

INSONDÁVEIS FLORES DE LÓTUS



 A noite sobe pelas minhas costas enquanto a sua voz, e o seu cheiro, aguçam os meus sentidos. Todavia senti um sobressalto, quando percebi a ausência de estrelas no céu. Todo pensamento pairou sobre mim, e a imensa ventura de não estar só, emergiu como as flores do lótus enfeitando o relicário dos meus olhos. A noite e seus excessos tenta amiúde abocanhar os meus sonhos, a enlouquecer-me enquanto os meu lábios prelibam os seus beijos e as minhas mãos, nitidamente o acompanham na poesia do existir. A propósito do anjo que me fala ao ouvido, se eu não estivesse a folhear os meus dias, jamais o teria encontrado. Seriam os meus dias o resultado de uma obra inacabada não fosse a sua presença sacudindo o tempo obscuro e colocando estrelas no céu da minha boca. Há algo de eterno nas estrofes que eu sigo esculpindo, e não é mais um estranho que se debruça sobre a escrita como um tradutor, mas como um maestro que rege sua orquestra e faz nascer a música que dará sentido a todas as noites.



imagem: Catrin Welz-Stein

sábado, 28 de agosto de 2021

AS TRÊS PERGUNTAS

 

 



Respondi três perguntas feitas pelo Presidente da Academia Poética Brasileira, o jornalista e escritor Mhario Linconl


 ML- O QUE MAIS TE SURPREENDE EM TUA POÉTICA?

LL- O que tem me surpreendido na minha poética é o retorno crescente que venho recebendo, até mesmo porque é muito difícil transitar no meio literário onde existem cobranças e julgamentos e criticas muitas delas negativas e quando não destrutivas, ao menos são desanimadoras. No meu caso a resposta tem sido muito satisfatória e isso vem refletindo na minha escrita que está mais consistente, mais madura o que é muito bom para mim, para a minha evolução não apenas como poeta, mas  como ser humano.


ML- AS VERDADES DO MUNDO SÃO AS SUAS VERDADES?

LL- NÃO, a minha verdade nada tem a ver com as verdades do mundo. Eu sei o que é compaixão e esse entendimento me torna mais sensível diante do sofrimento alheio e mais crítica perante desigualdades e dissimulações. A minha verdade age de forma explícita, porém silenciosa, mesmo sem a necessidade de ser mencionada, ela é genuinamente verdadeira.


ML- QUAIS A CERTEZAS QUE A VIDA NOS OFERECE?

LL- A meu ver a vida nos oferece duas certezas: a escravidão e a morte. Cada dia a humanidade se torna mais dependente de bens materiais, posição social,  domínio familiar e relações afetivas conturbadas, amizades superficiais e outros. Quando há um rompimento em algum destes segmentos, há um descontrole emocional e a realidade mostra que a vida embora frágil e efêmera, é uma armadilha em busca de presas fáceis. Nós somos as presas, mas esse despertar permite conhecer genuinamente a nossa capacidade de desenvolver um potencial de liberdade e reger a própria vida. Diferente da morte que não podemos evitar, contudo, podemos aprender que a morte não é o fim, mas expansão da consciência.

 


*foto: Mhario Lincoln, advogado, jornalista, presidente da Academia Poética Brasileira e Embaixador Universal da Paz com Luciah Lopez



segunda-feira, 26 de julho de 2021

O SEGEREDO DA PROFESSORINHA

 



FACETUBES

BrasilTextos EscolhidosUm conto-thriller-erótico de muita dinâmica e arrepios escrito por Luciah Lopez, da APBCenas fortes. Conteúdo erótico.

25/07/2021 12h09Atualizada há 8 horas228Por: Mhario LincolnFonte: Luciah Lopez

O SERGREDO DA PROFESSORINHA


Luciah Lopez, da Academia Poética Brasileira



Foi numa manhã de primavera que ela chegou a Areia Branca, uma pequena cidade do interior. Todos os moradores em polvorosa, pois nunca tinham visto uma beleza igual. Parecia um anjo caminhando com passinhos rápidos fazendo o vestido florido esvoaçar. Um ano após a sua chegada, e totalmente inserida na rotina da cidade tanto que os seus moradores tudo faziam para cair nas graças da professorinha de biologia. A "macharia" disponível coloca à disposição para acompanhá-la aos passeios e a missa aos domingos ou mesmo, para carregar suas sacolas de compras, mas ela nem ai pra tanto chamego.


Até conhecer Redclif. Foi paixão à primeira vista e logo no dia de Santo Antonio o padroeiro de Areia Branca. Padre Olavo não pensou duas vezes e foi abençoando a união. As baratinhas de sacristia, ops! -, as beatas seguidoras do padre, encontram um novo assunto para fuxicar - o novo casal de Areia Branca, igual dois pombinhos arrulhando pelos arredores da cidade. Tão logo Maria da Fé, ficou sabendo do namoro, criou coragem, tomou a liderança e foi falar com a professorinha, avisando sobre o moço, que nada tinha de 'bom moço'-, era um papa virgem! Filho mimado de “seo” Ludovico que ensinou ao filho, como tirar um cabaço de donzela. De nada adiantava os lamentos de dona Candoca, pois o filho seguia fazendo alegria do pai: "mulher é igual cabrita, gosta de ser fodida". Mas a professorinha estava cega de amor e não deu ouvidos ao falatório e, foi logo dizendo: -Comigo vai ser diferente, vai ter que casar! O namoro continuou e tudo foi preparado para o casamento dos dois na próxima festa do santo casamenteiro, e assim foi. Ela de véu e grinalda, cheirando a flor de laranjeira. Ele num terno cinza de risca de giz, impecável até no brilho dos sapatos, esperou por ela no altar.


Contrariando os bons costumes, a noiva entrou sozinha, já que não tinha nenhum parente pra fazer as honras e entregá-la no altar. Padre Olavo reclamou, resmungou e acabou aceitando a modernidade. Festa das boas, muita comilança, bebida e muita música até a despedida dos noivos, que aos beijos, seguiram pra lua de mel. Redclif estava afoito, passou um ano inteiro tentando uma bolinadinha, uma mão boba, mas a professorinha incisiva: "Só depois de casada!" -, e assim foi. Na lua de mel, a professorinha teve mais orgasmos que estrelas no céu. A paixão aumentou e de noite, o feitiço do amor era na base de beijos e muita gemeção. Dois anos se passaram. A vida da professorinha já não era o mar de rosas -, Redclif saia todas as noites com os amigos, indo jogar um carteado, uma sinuca ou mesmo tomar umas doses de Rabo de Galo num boteco da periferia, de onde saia acompanhado de alguma moleca espevitada e disposta a servir de cabrita gemedeira, sempre de quatro no banco de trás do carro, estacionado em lugar ermo. Depois de muita safadeza, Redclif deixava a cabritinha mamadeira no mesmo boteco e voltava para casa altas horas da madrugada,  envolto numa aura de perfume barato, manchas de batom e as costas arranhadas. Deitava ao lado da mulher sem se preocupar com maiores explicações.


A professorinha estava 'prenha' e cheia de vontades de comer pepino com geleia, jaca com torresmo, chupar limão, roer caco de telha e outras coisas mais, tentava inutilmente conversar com o marido, mas Redclif estava sem saco pra tanta falação de mulher buchuda, já que estava de olho em Melinda, a filha do alfaiate que fez o seu terno de risca de giz. Menina nova, magrinha, corpo bem feito, seios durinhos sempre soltos dentro da blusinha de alça, a cinturinha fina, a bunda empinada, as coxas grossas e o andar espremido de cabritinha virgem doidinha pra gozar. Ele não se fez de rogado e espichou a conversa, cercou pra lá e pra cá, até que Melinda aceitou as flores, bombons, perfumes e acabou nua dentro do carro gemendo igual gata no cio e arranhando as costas de Redclif. Em casa a professorinha prepara o banho do marido e percebe os arranhões, as mordidas e chupões pelo pescoço. Ela não falou uma palavra sequer, mas também não pregou os olhos e quando Redclif acordou, não encontrou a mulher, procurou pela casa toda e não a encontrou. Foi até a casa dos pais e nada sabiam sobre o paradeiro da professorinha. Nas ruas, na igreja, na padaria, ninguém soube dar uma informação sequer.


Dois dias se passaram e até Mané Polícia foi acionado para fazer as buscas pelas redondezas e as beatas de padre Olavo já estavam nas orações. Na manhã do terceiro dia, um táxi vindo da capital, parou em frente ao portão da casa de Redclif e a professorinha, desceu ainda mais barriguda que antes. Foi uma falação sem fim! Todos querendo uma explicação e ela nada -, nem ai! Depois dos ânimos calmos, ela avisou ao marido, que durante aquela noite, recebera uma ligação avisando da morte súbita de um parente distante e, que deixou como herança uma casa, numa cidade próxima. Disse também que gostaria ir com ele, passar uns dias, antes do filho nascer, seria igual a lua de mel - só os dois. Redclif não pareceu entusiasmado, mas quando ela sussurrou em seu ouvido: "Se você for, eu deixo você me foder por trás igual uma cadela no cio"-, ao ouvir essas palavras, ele teve uma ereção! Aceitou na hora e partiram em viagem ao final do dia, mesmo sob os protestos de dona Candoca e das beatas alegando que mulher prenha não pode sair por ai sem paradeiro porque isso faz a criança virar e isso dificulta o parto. Durante a viagem, ela foi bolinando o marido a ponto do seu pênis latejar.


Ele se deixava levar pelos pensamentos, afinal, teria o seu prêmio tão cobiçado desde que bateu os olhos na professorinha. Já era noite alta quando chegaram a tal casa, um velho sobrado com vários quartos e uma sala ampla, uma boa cozinha, banheiros, um sótão e um porão que certamente cheirava a mofo. Afastada da cidade, não tinha vizinhos por perto. Parecia uma velha casa abandonada não fosse pela luz acesa. Redclif levou a única mala que trouxeram e também uma grande cesta com as coisas para o lanche da noite. Enquanto Redclif leva a mala pra o quarto, a professorinha arruma a mesa com bolos, sucos e sanduíches e serviu ao marido vários copos de suco e muito carinho. Deram risadas e ele falou sobre o que fariam logo mais e de como ela ia gozar e gemer feito uma cadela vadia. Ela sorriu. Ele sentiu uma comichão que começou nas partes baixas e foi subindo pelo corpo todo, um torpor. Sentiu a boca amarga e seca, quis tomar mais um pouco de suco mas não conseguiu segurar o copo. Tentou ficar em pé, mas as pernas não sustentaram o peso do corpo.


Caído no chão, Redclif levanta os olhos para a professorinha-, ela sorriu! Ele não consegue se levantar.  Braços e pernas não obedecem. Sua cabeça lateja, sua visão embaçada e a boca seca. - Sua cadela, o que você fez?! Eu vou acabar com você, sua vadia! Sem dizer uma só palavra, a professorinha se levanta, vai até a mesa onde deixou a bolsa e volta com alguns rolos de fita adesiva. Ajoelha-se ao lado do marido e calmamente coloca a fita adesiva sobre a boca de Redclif dando varias voltas em torno da cabeça o impedindo de gritar os palavrões e ameaças. Ainda sorrindo, ela junta as mãos do marido e prende os pulsos com várias voltas de fita adesiva fazendo a mesma coisa nos tornozelos.


Depois delicadamente segura os seus pés e tira os sapatos, o cinto, o relógio e a aliança e guarda junto com os rolos de  fita na bolsa. Caminhando lentamente, ela passa junto ao marido que se debate, parecendo um verme tentando inutilmente gritar. Ela vai até a porta que leva ao porão, abre, acende a lâmpada. Volta até Redclif e ainda sorrindo, olha direto em seus olhos e percebe que ele esta apavorado. Ela o segura pelos pés e começa a puxá-lo. Precisa fazer muita força, pois além do peso do marido, a sua barriga a impede de movimentos rápidos. Ao final de alguns minutos e muita força, Redclif está deitado no piso frio do porão. A luz fraca e amarelada, quase não o deixa ver nada ao redor a não ser que a janela esta pregada com tábuas. Redclif se debate, as pernas e os braços não reagem e sua cabeça lateja. O medo toma conta do seu corpo, ele tem um único pensamento: Ela vai me matar! Em pânico se lembra que não contou aos pais para onde iam em lua de mel. Ninguém sabe onde estão. Nesse instante a professorinha se ajoelha e o beija na boca por cima da fita adesiva. -'Você vai ficar em boa companhia!' Ele se debate e sem poder falar nada, vê a mulher se levantar e sair do porão, subindo as escadas bem devagar. Ela apaga a luz e ele ouve a porta se fechar. Tudo é silêncio. Um escuro profundo como o pavor que se apossa dos seus pensamentos. Ele tenta respirar naquele negrume enquanto o suor se mistura às lágrimas que correm pelos cantos dos seus olhos.


O ronco do motor do carro chega aos seus ouvidos, ele compreende que ela está indo embora, mas ainda tem um breve pensamento abestalhado pelo medo: Ela está me dando um susto, vai ver descobriu sobre a cabritinha e está me dando um corretivo. É isso! Ela vai voltar, ela me ama! O carro se afasta e tudo volta a ser um silêncio negro e no meio desse silêncio, algo faz barulho no porão. Redclif sente o coração acelerar no peito. Continua a ouvir algo se arrastando no canto embaixo da escada. O pavor toma conta do seu corpo. De todos os seus poros vazam um suor de medo. Totalmente tomado pelo pânico, a urina e as fezes escorrem quando Redclif sente a presença do imenso réptil ao seu lado, com a língua bifurcada sibilando, farejando o seu medo - uma anaconda. Redclif fecha os olhos...


O dia amanhece em Viradouro, uma pequena cidade muito distante de Areia Branca, onde uma mulher que mais parece um anjo, dá à luz uma criança que nasce sorrindo.


sexta-feira, 2 de julho de 2021

ESTRELAS CADENTES


 

Às vezes maravilhava-me com o brilho da lua, não obstante, meu espírito renunciar a um possível voo lunar, eu quis escrever um poema como se fosse um mapa porque hoje, um pouco me perdi. E com o coração pulsando enquanto conversava comigo mesma, ouvi minhas várias vozes repetidamente me contando histórias, as minhas histórias. Pouco a pouco emudeceram e, uma súbita incerteza se apossou do meu único pensamento – quem eu sou? A minha estrutura enclausurada pressentiu o abraço dos tentáculos da noite e, o terrível e amargo instante que se seguiu, empalideceu a minha tez, realçando a cicatriz – a emenda dos meus vários eus. E no mundo luminoso iniciou-se uma nova florada de estrelas cadentes...

                           

sábado, 10 de abril de 2021

DE ONDE EU O CONHEÇO?


 

_______ estranho e inquieto é objetivo Tempo. Traz as lembranças e o amor desenhados na pele alva dos papiros. E no retorno à claridade dos dias, insisto em perguntar: - De onde eu o conheço?! Não há caminhos entre os veios da memória, que eu não os tenha percorrido, sem contudo, encontrá-lo. Haveria talvez, um outro caminho, que em algum ponto tenha se cruzado com o meu e assim, deixado as suas marcas indeléveis para que pudesse encontrá-las?! Os meus ouvidos são acostumados às suas palavras e a sua risada faz eco no meu coração. As marcas que no pó da eternidade servem de molde aos seus pés, e as suas mãos se encaixam nas minhas mãos, como se o fossem correspondentes pares. Minha sombra reconhece a sua sombra e na minha boca -, a sede é da água da sua boca. Os seus olhos enfeitiçam o meu olhar tal qual nachash enfeitiça o olhar do pássaro. Minha alma se perdeu da sua alma e havia de sofrer o medo da solidão absoluta - a noite sem lua e nem estrelas. E todas as manifestações de tristeza se passaram por mim e antes que me pudessem consumir, me sentei à sombra da grande árvore e perguntei: - De onde eu o conheço?! E a serenidade da resposta, foi como o perfume dos narcisos, que à beira d'água, desabrocham seu olor embriagando nosso olfato, nos dando a salvação de sermos dois em um.



imagem: Sementes ao Vento

Aquarela sobre papel Canson

Luciah Lopez


quarta-feira, 7 de abril de 2021

NATUREZA ÍNTIMA

 


Tantos são os caminhos e tantos são os espaços que se apresentam em busca de uma postura interna como forma de redenção.  O destino permanece na condução da existência humana auxiliando aqui e ali nas tentativas de avanços vitoriosos sobre a própria vida. Cada passo dado ordena sucessivos desejos, e as oportunidades de realizá-los se tornam visíveis, tão logo sejam avistadas - flores na linha imaginária do horizonte.

                     

 

Imagem: Série Flores

Aquarela sobre papel

Luciah Lopez

 

 

 

domingo, 4 de abril de 2021

ESQUINAS






 

 “E era outra a origem da tristeza. 

E era outro o canto que acordada o coração para a alegria. 

Tudo que amei, amei sozinho". 

Edgar Alan Poe 

                                                          

ESQUINAS


Não me compadeço deste grito que alcança o infinito e chega  escorrer enquanto as portas se fecham. Não me compadeço  deste horizonte entalhado, que aparta o dia e a noite incendiando cartazes de ninfetas esquálidas, erráticas. Anjos da discordância que sucumbem na solidão cárnea que arrebata a cor de cada olho cego. Não me compadeço nem deste sol a pino que seca a mão e o ventre daquela que inutilmente pode parir, e esconde sob o lençol sujo de sangue e barro, colocando-se  na mira das carabinas. Não me compadeço destes pássaros famintos e suas asas abertas, estendidas nas paisagens da imaginação revelando a densidão de cada voo, nem das suas carnes magras que revestem a brancura dos seus ossos enganosamente imortais. Não me compadeço desta multidão enlouquecida e seu cheiro de urina e suas sombras decapitadas e seu riso febril, instrumento das ladainhas que mistura angustia e cal, no pão seco dos filhos desta fome. Não me compadeço dos meninos e suas dores, do sono dos homens, das mãos calejadas, do relógio que desandou, da aliança que não se fez, do sonho que acabou, do cheiro do estrume, da lágrima da virgem, do pó da terra, do leme do barco, da vida em riste, do muro triste, da menina que ri. Não me compadeço do amor e seus tormentos, seus véus caídos, seus aleijões, sua desfigurada sonolência, sua incerteza, sua covardia, sua dor e seu humilhante ofício de enganar. Não me compadeço da vida nem da morte. O que me seduz  é esta desesperada solidão arquejante aflita, quente, sofrida. Me engolindo, me castigando a amplidão do olhar que ainda contempla noites frias e azuis onde o silencio propicia o corte preciso e suave e o gotejar solene deste vermelho delírio insano que corre em mim.



domingo, 28 de março de 2021

EMANAÇÕES


Sagrado nasceu e viveu sozinho, talvez seja por isso que caminha cabisbaixo, e de esquina em esquina_______ faz uma parada e olha pra lá, pro além, e pensa: "será que o fim do mundo é ali, depois da próxima esquina?!" Pensando e remoendo os miolos, Sagrado segue na caminhada. Pensa que é rei, é bispo ou peão, e num súbito, dá um cheque mate no jogo xadrez que é a vida. O mundo mente. O além é aqui, entre o céu e a terra, onde as borboletas fazem seus ninhos e a mulher 'manquitola' carrega uma balança de dois pratos. Um deles, cheio de ouro o outro cheio de barro, e, nesse momento, há uma transformação no seu sentimento humano e novas leituras são feitas. Sagrado é então, xamã. É o leste e o oeste, o norte e o sul da consciência humana_____ o pentagrama e os cinco elementos à sombra da árvore da vida. Expressa a dor e a fantasia, agrega a materialidade visível dos símbolos aos olhos humanos interpretando a resposta imediata na leitura dos arquétipos. Num rompante, Sagrado se despe - vestes rotas e ideias imorais jazem na poeira do chão e completamente nu - Sagrado caminha pela rua em busca do fim do mundo.


foto: Luciah Lopez

SINGULARIDADES




( ! ) ...passaram - se tantos anos antes que eu percebesse o Tempo e suas "faces". O que eu enxergava como se fosse uma gravura, tem agora, uma leitura mais profunda  e torna real à medida que  vou caminhando - nada se mantém imutável. Nem mesmo as estrelas e ao final de cada tarde o dia morre no silêncio das cores. Muitas vezes eu fecho os olhos e o escuro singularmente frio, se aproxima ____seria essa presença um motivo para tristezas ou medos?! Eu não sei... Então, abro os olhos e a visão emplastada de um vermelho profundo revela que eu ainda tenho tempo pois eu não sou isenta da paixão. E com esta certeza no coração, eu me sento ali mesmo, e me ponho a admirar mais um pôr do sol.




quinta-feira, 18 de março de 2021

UM PRESENTE VALIOSO!



Abaixo, um dos vídeos que tive muito prazer em fazer. Especialmente pela excelente prosa poético de nossa confreira Luciah Lopez.(Clique e veja matéria no ACERVUM, sobre o lançamento de seu primeiro livro físico).


Veja também o que o pensador e filósofo Júlio Mourão D'ávila falou sobre o vídeo: "Caro Mhario. Permita-me dizer que o texto dessa moça é surpreendentemente lindo. Emocionante. Permita-me, ainda, confessar que enxerguei, em alguns momentos, a poderosa Hilda Hilst. Obrigado pelo envio, distinto Mhario Lincoln (....)". Grato Júlio por sua apreciação.


Confio muito no que vc escreve e fala. Eu, por mim, digo: parabéns Luciah Lopez. Um texto efervescente. Iluminado. Intenso, com um final surpreendente, sem perder a ternura e a lembrança de sua doce mãe. Beijos. Grande abraço. Volta sempre.


À propósito, eis o prefácio que escrevi para seu primeiro livro físico: À GUISA DE PREFÁCIO (a palavra nua) (*) Mhario Lincoln Poesia não é ilusão. Se assim fosse, seria mágica. A poesia é sentimento. Por isso a emoção. Faz chorar, rir e sentir. Eis o milagre daqueles que realmente sabem escrever poesia. Aliás, escrever, não! Debulhar a alma. E isso, cara Luciah Lopez, você sabe fazer como ninguém. Um rápido exemplo neste livro de estreia: "Toda palavra branca é nua...", isto é, palavra nua, não tem nem cheiro de poesia, equivalendo mais a uma prosa ou narrativa. Por isso, confesso que me encanta ler sua obra, agora reunida neste livro.


Encanta-me a solidez do mote. A linha performática, até, com a qual você vai tecendo o tijolo poético, sob o prelo do conhecimento prático. Teus poemas me obrigam à lucidez interpretativa. Essa é a vantagem de traduzir um insight simples, quase comum, sem rimas lógicas ou perceptíveis, mas com espectro profundamente desestrutural.


Note-se: "Um dia que não amanheceu/E uma noite que não se desfez da escuridão". Isso significa que o verso bem elaborado não precisa de técnica, nem escolas, nem sofrimentos. Todavia, não deve ser uma palavra nua.


Essa é a grande diferença em sua bela obra. Incitado e excita o leitor pela condução poética, a fim de que ele possa construir seu enredo contemplativo, numa hermenêutica de passo a passo, sob o desenrolar do fluxo versicular, tirando desse, a maioria das sensações que a alma de quem lê possa disponibilizar naquele momento.


Isso é um fenômeno clássico. E como diz Antoine de Saint-Exupéry: "A verdade não é, de modo algum, aquilo que se demonstra, mas aquilo que se simplifica". Eis o segredo desta maravilhosa obra.


Então,Luciah, na mosca!.


Jornalista

Mhario Lincoln Crítico literário e presidente da Academia Poética Brasileira.


Links: 


YouTube 

 https://youtu.be/QFXAdfNDuiM


www.facetubes.com

https://www.facetubes.com.br/noticia/1082/luciah-lopez-da-academia-poetica-brasileira-escreve-qperegrinacaoq-prosa-poetica?fbclid=IwAR3DWAqCLZUvK2d4bt8-qYSR5HB2t-WI-QwcB2ZKlQU6cP71XzqdTkew1zs


www.acervum.com.br

https://www.acervum.com.br/a-posse-de-luciah-lopez

 


terça-feira, 16 de março de 2021

OLHOS DE ÂMBAR



abri a caixa de mágicas _______ fragmentos de pedra sabão se espalharam por todo lado_______os meus olhos de âmbar e as pedras de sol reluziram _______ já era quase noite quase silêncio nas pequenas poesias que se inscrevem em páginas de pedra _______ o tempo era uma velha rosa vermelha acocorada em seus mistérios e incoerências _______ então me perguntei: onde estão os poetas?! onde está o oleiro com suas mãos purificadas na santidade do barro? onde estão as pessoas e as borboletas e os pássaros?_______o espelho já não reflete a primavera porquê a alma do mundo se afastou entristeceu _______chorou versos e prosas a incompletude do ser _______e quando tudo era silêncio caminhou pela memória dentro da noite azul opala e estando tão perto_______ acendeu as velas que clareiam o céu e assim fez-se luz no meu olhar de pedra âmbar



segunda-feira, 8 de março de 2021

POLICROMIA

 



... quem pode dizer onde a felicidade esta? Não adianta olhar o espelho buscar no labirinto dos olhos -a policromia do amor descoloriu - vazou! Nem nos versos de Cora (que outrora amou) ou Florbela e mesmo Helena que por amor se calou e pintou estrelas no muro. Não há mais felicidade só um descascar de cores mostrando esse bicho acuado, que é o amor.



imagem: Google


domingo, 7 de março de 2021

PEREGRINAÇÃO




O vidro e a prata e o negrume da noite...
Sou espelho de mim mesma, segredo de sete vidas na eterna imagem do que sou, do que fui e serei. Uma nova utopia, um caminho entre o cobrejar da serpente e o voo do pássaro aprendiz, a abelha, o pólen, a flor e a raiz que sustenta o mundo. Não há uma montanha, e, sim uma planície estendendo-se desde a foz do meu olhar até o delta de todos os sonhos meus enovelados em fios de algodão e seda - a trama e a urdidura no tear do existir e do ser. A contemplação do sagrado, a vestimenta, o plano e o convexo, o ardor, o fel, a quietude mística, o cometa, mar e o oceano da minha existência. O sol em sua incandescência beija a lua, a argila beija a mão do oleiro no nascimento do jarro. O óleo desvirgina a pureza da argila, o fogo derrete a cera e o coração apascenta a fera e sua inadimplência. O céu está girando os astros em sua orbita de silêncio e o que esta dentro de mim, pulsa e vibra conspirando com o universo em busca do numinoso. A casa de minha mãe é sempre onde estou -, as portas são abertas e o fogo aceso é a presença daquele que vem, com os pés desnudos e traz  nas mãos todas as chaves e o código que decifra todas as línguas. Sou! Sou o que a pérola é para a concha, sou o que a letra é para a escrita. As palavras e os sentidos, os significados, os enigmas e a descoberta da verdade na poesia absoluta. A remissão dos pecados ante o cadafalso, o infinito numero de pétalas da mesma rosa, a diminuta grandeza do grão de pólen-, estame e filete na graça do que é eterno. A continuidade da luz no reflexo da escuridão. A corda retesada, o nó, o cabelo do pó, a mão da Medusa, a diáspora, o sangue e o gene no mesmo cálice. Sou o espelho, o olhar, a voz, o gesto, o verso e o reverso da minha descendência, sou. Desnudo-me da pele, deixando-a secar em tosco jirau, para vestir-me de carne e sangue e sentir a plenitude da minha existência -, o meu próprio Ser!


quarta-feira, 3 de março de 2021

ONDE ELA ESTÁ

 



ONDE ELA ESTÁ?


Passados são os anos da infância e o infortúnio da saudade chega tão perto e, me pergunta: _ Onde ela está? Onde?!

Em silêncio eu olho para as suas mãos e, nelas, vejo que as flores não demoram para nascer - em especial; as rosas -, amarelas, vermelhas, lilás e tantas outras cores e texturas que a criatividade lhe permitia. Eram rosas feitas de organza, palha, renda, de folhas secas, jornal, folhas de revistas ou cascas de frutas - era o seu amoroso segredo - dar vida a essas flores. Não havia escravidão naquele prazer divinal e as horas se perdiam na modorras das tardes, embaladas pelo canto dos pássaros e o som estridente das cigarras. De repente, ela percebia a minha presença e, abrindo um largo sorriso, me chamava para dentro do seu maior abraço. Noutras vezes, eu a observava regando as plantas e a grande horta do quintal – ela parecia bailar, leveza típica de quem ama. Era o tempo da minha infância, o tempo da minha mãe. É tudo que eu tenho, é tudo que eu sou. Não quero nada além e continuo andando neste quintal feito de saudade, pelos cômodos da minha lembrança, olhando os quadros pendurados nas paredes, o velho relógio carrilhão, as miniaturas de cristal, as peças de prata, os vasos, os porta-joias, os cabides de madeira, a louça portuguesa, e as grandes panelas de ferro e os tachos de bronze para as incontáveis tarde no preparo de doces. Os pequenos baús de couro que pertenceram à minha avó e traziam o silêncio dos velhos álbuns de fotografias. Os segredos da minha mãe, as dores que sangrou em silêncio pela ausência do meu pai nas grades da ditadura – e todas as suas rosas brancas pediam paz. Numa manhã de sol a paz retornou à nossa casa e relatou os dias de sua ausência ainda a tempo de acompanhar minha mãe em seu amoroso entardecer aos pés da santa confiando-lhe um pedido, infortúnio de mãe. Ela era mulher, ela era mãe, assim eu a conheci. Por anos consecutivos, eu parei diante do grande móvel de madeira escura, numa das salas da nossa casa, onde os retratos da família eram expostos aos olhos dos visitantes – cada fotografia com sua historia. Eu experimentava a necessidade de conhecê-las para poder chegar a mim mesma, antes de cair no esquecimento. Quando a luz filtrava pela fresta da cortina, eu sentia a presença de cada um deles preenchendo as rachaduras do tempo. Minha mãe, às vezes estava ao meu lado e mansamente eu sentia a sua mão em meus cabelos e entre nós não havia mais diferenças de pensar. Não sei quanto tempo se deu entre esses dias e o silenciar das mãos fazedoras de rosas. Parece que foi ontem que a vitrola ficou muda, engoliu seus LPs e, The Wall nunca mais foi ouvido. Minha mãe fez rosas negras depositando-as aos pés da santa, lavou suas mãos, guardou suas tesouras e agulhas, seus moldes, suas rendas e se recolheu em profundo pesar. Respeitamos a sua dor, meus irmãos, meu pai e eu nada dissemos, nada pedimos, aguardamos a urgência do sorriso dela, dos carinhos dela, dos olhos dela – que sofria a perda de uma filha. As flores do jardim, assim como a grande horta ficaram adormecidas. Os pardais e as cigarras silenciaram em profundo e cinza inverno. Minha mãe se calou até que a dor aquietasse seu coração, mas as rosas – nunca mais nasceram. Confesso que nunca entendi, mas também não questionei e, assim a vida nos conduziu por mais outros longos anos, até que finalmente minha mãe viajou para onde moram os anjos. Hoje, ao olhar o céu logo pela manhã, muitas nuvens brancas com formas surreais e no meio delas, uma rosa...


Para minha mãe Dª Ira

03/03/1923

11/03/1987



imagem: Minha mãe aos 30 anos

grafite sobre papel

Luciah Lopez




quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

OS PÁSSAROS


 

Ouça-me no "canto dos pássaros"

Tem um poema feito de solidão

Ouça-me...

Os pássaros cantam o que

O meu coração escreve

Enquanto sístole/diástole

Há vida dentro de mim...

Ouça-me no canto dos pássaros

Que voam em bandos

Desenhando um poema

Para cada verso meu.

Os pássaros cantam...

Ouça-me no canto dos pássaros.



imagem: Pássaros

Aquarela sobre papel Hahnemuhle

Luciah Lopez



terça-feira, 26 de janeiro de 2021

SINE NOMINE





...e as três feras caminhavam juntas
desenhando os nove círculos
enquanto os mortos atormentados
ajoelham-se diante dos portões...
..a inocência mora aqui?!
_____quero comprar três moedas de prata
e desenhar em cada uma delas
o olho cego que tudo vê.



imagem: Anônimo
Aquarela/lápis de cor /giz sobre papel
Luciah Lopez

 


domingo, 24 de janeiro de 2021

PANTOMIMA

 



absurdo é o riso que não consigo sorrir porque a fome devorou
e eu vim parar aqui na curva de um rio
sonhando dormir acordei e cortei os cabelos

não era hora não era o tempo das portas abertas
no desvão apenas trastes empilhados que as traças devoram

estantes e instantes mordem o meu pensamento
pra me lembrar dos livros e da ferida e das pontes e das praças
das pedras que eu juntei e coloquei no meu prato

não era hora não era o tempo das portas abertas
pras varandas e portões e ruas enlameadas a solícita companhia

caminhantes de outras eras como gatos famintos de agrados
lada à lado se esfacelam e riem um riso azedo de outridade
e se constroem e se costuram como mulambos esfarrapados

não era hora não era o tempo das portas abertas
porque ousei sonhar um poema possível nos muros
nos telhados nas aldeias nas ruas nas montanhas nas cidades
nos becos nas vielas nos canaviais na pele na carne viva na alma imortal
não era hora não era tempo
não era hora não era
não era hora não
não era hora
não era
não


PERJÚRIO

 


é meu corpo que flutua

são minhas asas insanas

é minha boca morrendo na sua

é eterno perjúrio

é dor que não arrefece

não viaja no escaler da saudade

não se cala, não adormece.

é o inverno tardio

na minha pele de primavera

são as horas suicidas

as mãos vazias

é a noite tecendo filigranas

enfeitando a orla dos meus olhos

consentindo o amor

no meu peito de ternura

e embriaguez.



quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

LONGEVIDADE


LONGEVIDADE

 Longos são os dias de escravidão e fogo guardados na minha memória porque ainda sou menina , bordando crivos na pele áspera do TEMPO. As minhas mãos resguardam a pedra de fogo - coração da natureza - e os meus lábios beijam os pergaminhos na iminência do verbo. Danço com as feiticeiras,  as sacerdotisas  e as deusas e tudo que profetizam ,faz vingar as sementes de mandrágora. Soam trovões em todos os céus e sinos de todas as catedrais,  todos os rios percorrem as entranhas da Terra  e os peixes acordam de sua profundeza abissal. As marés, as tempestades, os ventos e o olho do furacão. Os ventos lunares, as marés de sizígia, as escamas do dragão brilhando ao sol quando o dia não se rende à noite enclausurada. Desarvorado é o coração do homem diante dos dias nublados... Ouço o silêncio dos poemas dos poços sem fundo, das raízes, dos liames, dos pássaros sem ninho, dos ossos secos como flautas de vento, dos ouvidos surdos, das bocas enrugadas, dos casulos, das crisálida de seda e dos olhos que não adormecem...

... não adormecem nunca!

É este frio enovelado em sacrifícios, que busca guarida no meu coração. É este ponteiro que atropela o verso e incompreendido se põe a correr pelos meus corredores até o início da minha memória _____ anciã/mulher/menina e a solidão devastadora do existir.



imagem: Autorretrato

Grafite sobre papel

Luciah Lopez


UM BRINDE!

 vamos fazer um brinde?


21h21 do dia 21 do ano 21 do século 21

CONVERSANDO COM ALICE - 01



6:30 - o alarme do celular toca: " Tô no trabalho pensamento em você, tão desconcentrado só penso em te ver"  


Alice acorda de sobressalto e procura o celular embaixo do travesseiro. Dá um beijo na foto do João Bosco, que usa como protetor de tela - Bom dia, meu amor! Tô atrasada, hoje não da tempo de dar uma... Apressada corre pro banheiro, levando as roupas na mão. Liga o chuveiro e a água não esquenta.  

_ Pôrra! Essa merda queimou de novo! Esbravejando um pouco, Alice entra no banho rápido e gelado.

A porta do banheiro se abre e Claudete entra esfregando os olhos, abaixa a calcinha e senta no vaso.

Alice olha a amiga pelo espelho e reclama:

_ Ôrra, meu! Vê se não vai poluir o ambiente!

_Só um xixizinho básico, amiga, ontem eu sai com o pessoal do hospital. Bebemos todas. Nem sei como cheguei em casa.

_ Clau, você sabe que não pode beber que perde a linha rsrsrs, solta a franga. Quem foi a vítima dessa vez?

_ Ai amiga, deixa eu te contar...

_ Depois Clau, agora não dá. Tô atrasada.  Veste a roupa apressada, se olha no espelho enquanto passa o batom: Tô precisando fazer outra progressiva, mas cadê dinheiro?!

Bejim. Fui.

Alice desce os três lances de escada, saltando os degraus de dois em dois e logo está na rua.

_ Ô, merda! Ô São Pedro, garoa agora?! Pô meu, segura ai!

Corre até o ponto do ônibus, entra na estação tubo, vê o ônibus chegando, lê o letreiro: "Santa Cândida / Capão Raso" . Com o coração aos pulos entra no ônibus e seus olhos procuram por "ele". Logo o encontra, sentado no mesmo lugar. No penúltimo banco .

O ônibus esta super lotado, Alice vai se espremendo entre os passageiros e consegue chegar ao fundo do coletivo. Posiciona-se entre o penúltimo e o último banco, e, então baixa o olhar vagarosamente sobre o homem sentado e deixa o pensamento fluir - Como ele é lindo! Pena que nem me vê.  Alice respira fundo tentando sentir o perfume do homem. Olha detalhadamente os cabelos úmidos, observa o rosto barbeado, as mãos segurando a pasta de executivo, dessas bem caras, couro preto com detalhes em metal dourado. De repente o homem vira a cabeça, olha para cima direto nos olhos de Alice. Um olhar firme, penetrante. Parece ler os pensamentos dela. Sente o rosto queimar e um calor invade o seu corpo. Constrangida tenta desviar o olhar, mas não consegue. Está hipnotizada por aqueles olhos castanhos. Um mundo de situações se passam nestes rápidos segundo em que os dois se olham... "o perfume dele e, aqueles lábios se aproximando dos seus. Entreabre os lábios fecha os olhos imaginando o toque macio e úmido da língua quente roçando os seus lábios..."

O inesperado acontece: uma freada brusca interrompe o momento e o homem baixa a cabeça olhando para as mãos, e Alice desperta do sonho quase perde o equilíbrio e para não cair, solta a bolsa a tempo de se segurar na lateral do banco onde o homem está sentado. No empurra empurra que acontece dentro do coletivo, ela não percebe que o celular cai, e apressada, recolhe apenas a bolsa  mudando de lugar procura ficar próxima à porta de saída, pois a Estação Central Comendador Fontana é a próxima parada. O homem também se levanta e ao fazê-lo, percebe o celular junto ao seu pé. Instintivamente ele sabe que o celular é da moça que derrubou a bolsa, recolhe o aparelho para devolver. Procura a moça com os olhos, mas a vê saindo  apressada, já dentro do tubo. Lembra-se do olhar da moça e resolve guarda o celular, sabe que no dia seguinte poderá devolvê-lo.

Alice olha a Rua XV de Novembro e se descobre num mar de  guarda-chuvas coloridos,  vai caminhado com passos rápidos até a loja, onde trabalha como vendedora. Quando vai guardar suas coisas no armário, resolve ligar para Claudete avisar o sindico sobre o chuveiro queimado. Procura o celular dentro da bolsa e não o encontra.

_Puta que o pariu!! Perdi meu celular - vocifera em voz alta assustando as colegas que estão no vestiário. Tati, se aproxima e pergunta o que está acontecendo:

_ Que foi "guria"? Pra que tanto "cacarejo "logo cedo??

_ Que merda, Tati! Perdi meu celular e nem terminei de pagar. Puta que o pariu! Foi no ônibus, eu derrubei a bolsa e o celular caiu, só pode! Ô final de ano fuuudidooo!!!!

_ Bora trabalhar "guria", tem muita coisa nova pra repor na seção infantil. Depois a gente conversa sobre isso e vê o que dá fazer.

_Ôrra! Vou ter que comprar outro e meu cartão ta no mico. Quero ir ver meus pais no Natal e não posso gastar mais.

Alice, se olha no espelho antes de sair e novamente o corpo treme ao lembrar do homem que viu no ônibus. Como será o nome dele? Será que é casado?! Putz! Não olhei se ele usa aliança, mas amanhã eu dou uma boa olhada.

E com estes pensamentos , ela sai do vestiário dirigindo-se à seção infantil...



imagem: Lina Faria