sexta-feira, 31 de agosto de 2018

VELHOS PRESSÁGIOS






No sopro do vento em cada grão de areia uma solidão agreste 
desemboca na foz do coração. No lombo ardido a sangria chove a solicitude das notas azuis de um antigo blues.
Pés descalços entre passos, longa demora na dança delírio na porta agora fechada. No leito de um semi-deus, arreios caindo imensos vazios anseios de mulheres apupos e aplausos. Pé ante pé meu olhar se detêm nas voadoras palavras que acompanham o teu nome. Incoerência é soluçar agora. Recostada nos muros da memória desfaleço. Ainda um impulso de beijar tua boca distraída bêbada e definitivamente minha. A mim não importam os sonho. Vagabundos sonhos soltos no vácuo pálido das parede sou escondidos no muro dos quintais . São como os dentes-de-leão que sopro ao vento, repetidamente sopro ao vento. Matizes febris na ligadura das duas luas a sua e a minha. Salientando esta distancia de sombras e escombros e raízes expostas e brocadas, ouço uma música inacabada e tropeço um gesto convexo procurando teu corpo na fúria brejeira que me toma e escorre por minhas pernas no momento exato que o meu sol explode em tuas mãos deixando-me nua diante do menino que existe em você.

para Odur



imagem: Tomaz Alen Kopera


PENSAMENTO HORIZONTAL



o vento anda cansado de tanto correr mundo não há mais bocas vazias onde o eco faz morada a inquietação ri enquanto unhas são roídas e o rosbife é tostado em fogo baixo janelas se abrem sobre o pensamento horizontal e as palavras satisfeitas em vestidos de noiva antecedem o enlace/desenlace valesse a lembrança do que foi dito o olhar se perderia num buraco negro e a fumaça de mais um cigarro não seria nada a não ser a desfaçatez da corrente e dos ponteiros marcando a hora e o tempo entre a ferrugem e o anoitecer



quarta-feira, 29 de agosto de 2018

O PRIMEIRO VOO


Tantos passos eu tive que dar e resplandecer na distância até chegar à mim mesma e me descobrir revolucionária em busca da felicidade. Vieram os anos e a permanência daquele milésimo de segundo, entre um click e um piscar de olhos mudou a minha história. A minha existência desprendeu-se de mim e os sentimentos confessaram o meu segredo em PLENILÚNIO -, me senti aliviada. Enquanto eu vivia os meus sonhos, a vida elaborava as minhas asas para o momento exato do meu primeiro voo. Era certa a maneira do voo e da paixão legendária emplastrando de amor todo aquele espetáculo entre as colunas de águas coloridas e as calçadas estreitas em meio às tardes suarentas . Eu sempre quis estar naquele lugar, desde sempre o meu olhar se fixava nas pedras que pareciam boiar nas águas do rio ou acompanhando o singular voo dos pássaros por sobre os varais. As religiões me falavam do tempo e dos sinos, como se o espírito daquele homem e o meu fossem, um parte do outro - uma pintura de Gossaert revelando a nudez diante do paraíso. A réplica de todos os amores e a perfeição nostálgica dos corpos se encaixando enquanto a tarde morria lá fora.


para Odur


sábado, 25 de agosto de 2018

MIGRAÇÕES





o dia começa
meu pai está aqui
a vida e a morte andam juntas
feito a ferida e a casca
 a repulsa e o nojo são os cavalos dessa loucura.
cavalgando a poesia na pressa do existir
me acostumei ao suor e ao fel 
como as anêmonas e os peixes à solidão abissal.
vejo o meu sangue no espelho quebrado
 e os meus ancestrais gritam 
em cada glóbulo e em cada hemácia recém nascida
 um pouco da tortura dos corvos na carne abjeta.
sei que não sou de lugar algum
a raiz e nem a flor
assim como a abelha que faz veneno e mel
sabe a razão do seu breve existir
ou mesmo conta os dias em cada pôr do sol
ou a sanha do tubarão entorpecido
é tormento praquele que será o seu alimento.
jamais voltarei a olhar àqueles olhos de adeus
porque cada um sabe a urgência dos seus passos 
os caminhos de ditadura eterna são o interior da serpente
ossos vísceras e vértebras 
regem a peçonha na malemolência da língua.
meu pai está aqui
segura a minha mão e
me conduz pela sala
pelos quartos
sobre os livros empoeirados e mofos
pelas engrenagens do velho relógio
pelos quadros antigos 
pelo quintal e jardim.
entre espinhos sombras e a escuridão das palavras rotas
todos os meus medos uivaram
desatrelando a velha canga 
livramento do espinhaço sob o peso das asas molhadas.
é quase noite na inércia dos pensamentos
meu pai segue ao meu lado
é preciso catalogar as misérias 
cortar do corpo os brotos e figos podres
olhos de peixe e calosidades
e indagar pelos cachorros perdidos e sem nomes
dar-lhes nomes e água para beber.
quem sabe isso os faça voltar a um estado de felicidade
quando as chuvas retornarem molhando a boca da terra.
gatos e cachorros bodes e cabras
homens e meninos sem nome caminham lado a lado.
em sua cegueira são como aves migratórias
que perderam a rota voando em círculos
tudo passa por mim como miragens.
ilusórias são as horas os dias os meses os anos
a resposta é dissolvida e desaparece na memória
eu não me importaria tanto com a dor
não fossem esses pássaros famintos voando ao redor
com seus olhos de rubi e seus bicos de jade.
meu pai me perguntou: qual o seu nome? 
jamais pude responder
mesmo raspando a minha pele com uma faca
nunca descobri o meu nome
isso dói demais por me sentir como animal selvagem
acuado
farejando no ar a umidade de uma chuva vindoura
anunciada em nuvens escuras.
aquela presença não decodificada
se avoluma em maré sanguínea e engole a lua e o sol
e todas as notas daquela canção
fazem silêncio agora e o céu escuro 
é denso útero de precárias tiranias
meu pai solta a minha mão
e eu experimento violenta e ofensiva tristeza
de estar só.
tive mil vidas.
terei mil vidas.
e a substância adocicada que escorre dos meus poros
é o avesso de cada lágrima que não chorei.

L.Lopez

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imagem: Odd Nerdrun

BLUE



Amanheceu e os meus olhos rasos ainda acostumados com a noite, se fecham, dando à minha alma, o tempo preciso para que acordem os meus pássaros e despertem as minhas flores iniciando a liturgia da vida. O silêncio é o frio lá fora, mas a poesia pulsa e vibra numa clave de sol dando alento ao coração de todos nós.