quarta-feira, 8 de julho de 2020

CAPÍTULO PRIMEIRO


O fim daquela brincadeira e a minha salvação, eram a mesma coisa e eu percebi um tanto orgulhosa, que não carecia mais de disfarces. A vida se escancarou diante de mim como poucas vezes aconteceu, as conexões mitológicas, os dogmas revelaram a amplidão diante dos meus olhos e eu vislumbrei a consciência. Caminhei ereta. Mantive ao meu lado, os peixes e suas bexigas natatórias como se fossem bússolas sempre me mostrando o norte de todos os caminhos. Raras vezes olhei para trás, porque eu não existia antes e nem mesmo a minha sombra pertenceu ao passado. A partir desse dia entrei e sai daquela paisagem sem receio algum, pois já não éramos pessoas estranhas a quem o destino trata de forma incompreensível. Não. Não somos indiferentes um ao outro, porque vencemos a escravidão das horas e o jugo dos filósofos de meia boca. Minha consciência tornou-se ampla, límpida e as interrogações deram lugar ao riso num processo de cor e luz dentro de mim.


imagem: Vista do Morro Anhangava
Aquarela sobre papel Hahnemühle
Luciah Lopez


domingo, 5 de julho de 2020

EPIFANIA - CRISÁLIDA


O músico tocou a sua melodia e o vento carregou o pólen. O acaso não existe e verdadeiramente necessitamos desse encontro: músico,melodia,vento. O resto é tal qual Bach acender um bico de gás e as mariposas esvoaçando na plácida luz. Eu não modifiquei os meus dias, eu vivi cada um deles como se me apresentaram até agora. Percebi cada detalhe como quem observa as pituras de Monet ou a textura das pétalas ou mesmo a leveza da borboleta. Percebo agora que silenciei - individualizei. Sou um ser homogêneo. Sou viajante e o universo me pertence assim como o néctar da flor pertence a borboleta. Sou viajante e a escuridão se distancia e o caminho é o sopro celeste. 


imagem: Aglais io
Aquarela sobre papel
Luciah Lopez


sábado, 4 de julho de 2020

EPIFANIA - RESPLANDECÊNCIA




Em silêncio estendi as mãos para ela e, finalmente pude olhar em seus olhos. Não consegui dizer nada. Nenhuma palavra sequer, mas as palavras nunca foram importantes para nós. Bastava um olhar ou um gesto e expressávamos os nossos sentimentos. Éramos cúmplices em insondáveis momentos de silêncio, como os astronautas que em silêncio contemplam a imensidão infinita. Um dia ela se vestiu de branco e soltou a minha mão, e, de repente eu me senti tão só como se o tempo fosse absoluto e nunca mais nossos olhos se falaram ou os nossos pés caminharam juntos pelo jardim enquanto as nossas mãos colhiam flores...


Imagem: Cattleya
Aquarela sobre papel
Luciah Lopez


Para minha irmã Dulce, a minha saudade


sexta-feira, 3 de julho de 2020

EPIFANIA - GANHANDO ALTURAS


Há um pássaro dentro de mim. Sou eu a sua masmorra, seu cárcere. Sou eu quem impede a sua liberdade, o voo cego dentro das nuvens e a sua absoluta certeza de voar sobre o mar. Eu, e a minha diminuta significância nos isolamos do Sagrado, e o pássaro em meu peito anseia a liberdade da segunda hora. É necessário que portas e janelas sejam abertas e possamos ganhar o horizonte e reconhecendo assim, a própria maneira de ser - essa é a lei divina.


imagem: Pássaro
Aquarela sobre papel Hahnemühle
Luciah Lopez





quinta-feira, 2 de julho de 2020

EPIFANIA - REMINISCENCIA


Eu plantei sementes durante toda a minha vida, algumas  dessas sementes germinaram, e, consequentemente eu  desfrutei das lagartas, flores, frutos, abelhas, borboletas e dos beija flores. Com o passar dos anos isso se tornou habitual: guardar sementes para depois plantá-las em algum vasinho ou mesmo um 'potinho' sem uso. Noutro dia, fui ao supermercado fazer compras e quando cheguei em casa eu encontrei um papelzinho dobradinho dentro de uma das sacolas,achei estranho. Abri o pacotinho e  guardadas em seu interior algumas sementinhas pretinhas, parecidas com grãos de erva doce. Espalhei na palma da mão e remexendo com o dedo indicador me perguntei em voz alta:  sementes do quê?  Onde foi que já vi sementes iguais? Na hora não lembrei de nada, dobrei o pacotinho e guardei na lavanderia. Hoje pela manha, eu me lembrei de umas florzinhas vermelhas no jardim da minha casa, quando eu ainda era criança. Dessas florzinhas, eram as tais sementes pequenininhas. Foi uma dessas lembranças que mais parecem um filme antigo,  mais de 50 anos me separam desse jardim com suas rosas vermelhas, esporinhas azuis, brinco de princesa, dálias,  lírios e as diminutas florzinha vermelhas nascidas num cipózinho agarradas ao tronco de uma antiga paineira. Determinadas lembranças são os verdadeiros prazeres da alma... Hoje eu  plantei as sementinhas...


imagem: Rosa
Aquarela sobre papel Hahnemühle
Luciah Lopez



quarta-feira, 1 de julho de 2020

EPIFANIA - PRIMEIRO OLHAR



Me esconder entre os versos que escrevo é morrer na utopia do amor perfeito e não sofrer a consumição da dor. A flor rompe a proteção das sépalas e nos dá a beleza da cor na suavidade de suas pétalas. Todos temos nossas características e buscamos a harmonia entre os seres vivos, embora a desigualdade comportamental seja o que nos torna - muitas vezes - tão mesquinhos diante da grandeza da criação. Queiramos ou não, é este o nosso tempo, não importa o quão difícil seja o caminhar sobre pedras ou medo de olhar para dentro de nós mesmos - somos a flor, é impossível não florescer.


imagem: Flor Silvestre
Aquarela sobre papel
Luciah Lopez