quarta-feira, 23 de maio de 2018

ALICE E AS ESTAÇÕES


De todos os dias, houve um que foi mais branco que todos. Um dia de ausências, idas e vindas ralando a pele abrindo feridas, expondo a planura dos ossos. Foi um dia tenso e tudo findou em negrume desmantelo da alma. Coisa mais que estranha - doidice até! A tia velha caminhando pra lá e pra cá, no peito a medalha sagrada de São Bento e nas mãos, a bacia esmaltada com desenhos em azul e branco, igual  louça portuguesa  contém o macerado de folhas de ora-pro-nóbis com sal,  alho e  cebola. De longe, Alice observa  o silêncio  feito de escamas, e a grande cobra d'água aquece o corpo enroscada aos seus pés, sibilando vez ou outra -, coisas que só Alice pode ouvir e entender. O que era um segredo na boca daquela velha senhora, já não faz sentido pois até mesmo os pássaros abandonam velhos ninhos feitos de cabelos brancos. O tempo passou e a velha senhora se perdeu entre a amargura e os rabiscos de anzóis e facas. Quer renascer na sedução fervendo tomilho, manjericão e tília, mas o pote de todos os sonhos não pertence a ninguém, não sacia a sede do umbigo, muito menos paixões irremediáveis. Alice se põe a caminho e numa última olhada por sobre ombro, pensa: não vale a pena! rsrsrs



imagem: Avery Palmer

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