terça-feira, 5 de julho de 2016

MEU IRMÃO MAIS VELHO


MEU IRMÃO MAIS VELHO
Todos os dias era a mesma coisa -, choradeira após o banho na hora de  pentear os meus cabelos e arrumá-los numa trança ou rabo-de-cavalo (norma da escola, para as meninas). Sendo cacheados, passar um pente era coisa mais que dolorosa e eu gritava e esperneava até minha mãe perder a paciência e me dar uns tapas. E no meio do chororô, o meu salvador adentrava o quarto já empunhando o pequeno pente de tartaruga e pacientemente tomava o lugar da minha mãe na dificil tarefa de desembaraçar e trançar aquele emaranhado de fios molhados e cheios de nós. Mas com jeito, o trabalho rendia e a minha trança era sempre enfeitada com um belo laço de fita ou uma fivela. Terminada a sessão tortura, eu estava pronta para almoçar e depois ir à escola. Nesta época, eu era muito ligada ao meu irmão mais velho e gostava de ficar junto, enquanto ele montava as réplicas de aviões. O esqueleto do avião tomando forma, o revestimento com um papel especial que recebia varias camadas de resina até ficar bem resistente. Depois da secagem, vinham os adesivos nas laterais e nas asas do avião. Alguns modelos, tinham elásticos presos à hélice e quando estas eram giradas torciam o elástico e isso dava propulsão ao avião, fazendo-o decolar num pequeno voo que na maioria das vezes acabava num desastre. Depois vieram modelos mais elaborados e com motor movido à combustível. Não sei qual era, mas gostava do cheiro e do barulho do motor. Mais tarde, quando eu estava com 12 anos, meu irmão mais velho, resolveu brincar com aviões de verdade e foi fazer o curso de piloto, coisa já esperada porque meu pai era do Ministério da Avição e sempre morou próximo ao aeroporto por causa do trabalho no Departamento de Aviação Civil. Nesta época, meus cabelos eram curtos e eu não precisava mais de ajuda para arrumá-los, e os meus interesses também mudaram -, descobri os livros e ficava horas 'empoleirada' na minha goiabeira, lendo As Viagens de Gulliver, Robinson Crusoé e os gibis. E por conta dos tais gibis, eu acabei descobrindo uns livros que estavam embrulhados e guardados dentro de uma mala, embaixo de um monte de gibis do Recruta Zero e Seleções Reader's Digest. Naquele tempo, as camas tinham cabeceiras altas e no lado oposto, uma proteção com a metade da alura da cabeceira e foi sobre essa proteção que eu alcancei (na pontinha dos pés) os tais livros. Fui apresentada a Cassandra Rios e  Adelaide Carraro. Depois do choque da primeira olhada, eu consegui ler algusn livros antes de ser apanhada num flagrante e receber um castigo daqueles. Então, meus 15 anos, festa, novos amigos novos interesses e o meu irmão mais velho sendo mais caseiro, tambem se distanciou e rrumou uma namorada. Eu, uma adolescente querendo ir à bailes e festinhas, dirigir carros e pilotar moto, descobri em meu outro irmão o parceiro ideal. Sendo ele também piloto, me deixava carro e moto aos meus cuidados sempre que viajava. Meu irmão mais velho se casou e me deu a alegria de ser tia da Daniela, que logo estava comigo passeando de carro sentadinha numa cadeirinha no banco da frente. O tempo era algo que não me preocupava - eu era feliz, tinha uma família feliz, o que podia dar errado?! A ordem era viver e ser feliz, não haviam motivos pra preocupações. Meus pais eram maravilhosos, embora Suzana já não morasse mais na nossa casa, minha irmã cuidava de mim me fazendo todos os caprichos. Meu irmão mais velho, agora casado e com uma filha e um filho, tinha se tornado mais distante, mais fechado e isso me aproximava mais do meu outro irmão. Tudo era festa, tudo estava perfeito demais. Julho! Quatro de julho aniversário da minha irmã e ela no hospital se recuperando de uma cirurgia na coluna. Seis de julho, meu aniversário sem festa. Onze de julho de 1981 - 20h - vou sozinha à missa ecumenica da minha formatura de segundo grau - 22h30 chego em casa e logo vou me deitar - 23h55 meu pai atende o telefone e eu escuto ele falando: "Estou indo" e desliga o telefone. Meu pai vem até o meu quarto e me diz: " Vamos pra Cornélio, sua irmã morreu" e começa a chorar indo até o quarto do meu irmão dar a mesma noticia. Entramos no carro e ninguém falou nada, nehuma palavra durante a viagem. Quando chegamos ao hospital, eu olhei para o rosto do meu pai - ele estava mais velho!! Envelheceu durante a viagem e calado foi se encontrar com a minha mãe e providenciar a volta da minha irmã não para nossa casa. Foi a primeira vez que a morte chegou perto. Chegou e levou o meu anjo de luz. A vida segue o seu curso, a dor vai cedendo lugar à saudade. Venho para Curitiba para estudar e fico morandodefinitivamente em Curitiba. Meu filho nasce em 24 de março de 1986. Três de março de 1987, aniversário da minha mãe - internamento emergencial - amputação da perna - 16h consigo falar com minha mãe pelo telefone, dio que a amo, desejo feliz aniversário e que estou indo pra lá a noite - 17h ela sente dor, pede um medicamento, enfermeira  ministrando morfina e.v. - choque - coma! Onze de março 18h - casa dos meus pais, atendo o telefone e o médico que a operou me diz: "Eu sinto muito, infelizmente a sua mãe faleceu" - segunda vez que a morte chega perto e levou a minha mãe. A tristeza do meu pai foi imensa, reclusa e silenciosa. Durante 12 meses ele não fez outra coisa além de ir ao aeroporto, ao posto de gasolina pagar os funcionários e voltar antes das 18h estar em casa e sozinho até a hora de dormir.Todos as noites eu ligava  para saber como ele estava e desejar boa noite: " Te amo papai, bons sonhos" - Vinte e quatro de setembro, a primavera não me trouxe flores. A morte se aproximou mais uma vez e levou o meu pai enquanto ele dormia. A impotência diante da morte, a mais completa solidão, a angustia mais profunda eu experienciei naquela manhã de sábado ao atender o telefone e ouvir do meu irmão mais velho: " O papai faleceu"... Vinte oito anos se passaram. Muitas coisas mudaram na minha vida. Muito aprendizado e a certeza de que preciso melhorar muito e aprender muito.Desde 2004 por um motivo tão fora de propósito, acabei por me afastar do meu irmão mais velho e não nos falamos mais e não nos viámos desde de então. Dois de julho - 9h56 - minha sobrinha Daniela me avisa que o pai dela faleceu durante a madrugada. O pai dela é o meu irmão mais velho - 12 anos de silêncio e uma eternidade para eu pensar se valeu a pena. De antemão eu digo: Não valeu nada! Embora tenhamos sido criados na mesma casa, recebemos os mesmo conceitos sobre moral, sobre perdão, sobre a convivência entre irmãos, não soubemos dar continuidade aos ensinamentos do meu pai e com a sua morte, nos afastamos por motivos tão insgnificantes se colocados à luz da verdade de que somos irmãos e agora só restamos dois, eu aqui e o meu outro irmão em algum lugur no Uruguai, mas este eu vou procurar e dar um abraço antes que 'ela' venha nos visitar novamente.


*J.L.R. estaja em paz e na companhia dos nossos pais e irmã




foto: LL  02/07/2016






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