quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

PELAS PALAVRAS


PELAS PALAVRAS



Por um longo período na minha vida me senti como um barco, à deriva. Permitindo-me ficar ao sabor da corrente sem forças para me desviar das agressões causadas pelos recifes cortantes, imersos em águas turvas.

Não havia nada. Apenas um silêncio interno e o barulho das ondas - eterna cantilena do mar. Não era triste, porque não me chegava essa tristeza. Era apenas a existência sem razão; sem benefícios, entrecortada por pensamentos e pelas imagens abstratas.

Eu flutuava, me cortando nas adversidades ao meu redor, tornando-me cada vez mais cética quanto aos sentimentos humanos. Me encontrava num processo de auto-comiseração. Estava resolvida a esquivar-me do contato físico e assim me perceber numa solidão existencial ou até mesmo egoísta.

Descobri que olhar o céu noturno em seu cravejado caminho estelar, alivia; contudo não é suficiente para um despertar. Nem mesmo a sabedoria milenar dos cometas, me libertou. Todas as estações passaram por mim, todos os dias e seus sofrimentos, todas as horas e seus silêncios, mas tudo apenas me feriu a pele.

"Não há paisagem quando nossos olhos não querem ver". Isso é formidável. A vida se transforma num passar de tempo sob esta abóbada de silencio onde não executamos nenhuma comunicação, nem mesmo com nosso próprio ego.

Por milhares de anos fiquei à deriva. Observei as civilizações, os profetas, os homens sábios e os déspotas. Vi o peso da lei e a suspensão da mesma. Vi a natureza em seu cio constante, vi a ciência, a verdade, a vida e a morte. Tudo se passando aos Olhos de Deus.

Naveguei neste caldo morno e primordial que denominamos existência, vida ou apenas consciência de tempo e gradativamente executou-se o milagre. Meus dedos tocaram algo. Finalmente entrelaçaram -se a outros dedos. Foi quando senti a necessidade de estar viva. Milenarmente viva!

Ressuscitei de dentro dos meus medos e das minhas desesperanças que se afogaram no silêncio e pari diamantes em meus olhos. E entrelaçados, os meus dedos e os outros dedos, coloquei meu corpo e a apresentação do mesmo numa suspensão temporária da decência quando encostei-me de leve no seu corpo, aquecendo o mundo aquoso ao meu redor.

Abri com suavidade as minhas portas e inclinei minha cabeça finalmente olhando dentro daqueles olhos de esperança. Busquei prolongar a emoção naquele aposento líquido, imerso no silêncio das nossas palavras.

Com a força de quem renasce das leis da natureza e se define como mulher, finalmente entendi o meu lugar ao seu lado e senti suas palavras ditas ao meu coração num murmúrio suave no meu ouvido. Finalmente entendi você.

(esperando Odur)


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