quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

PRESENÇA


Presença

(...) Estou numa manhã cinzenta!
O que me parece ser um grande útero, aconchegante, morno e mal iluminado.
Não sinto necessidade de abrir os meu olhos, deitada na minha imobilidade eu sinto a movimentação ao redor. A princípio, ouço rumores, mas não há da minha parte a necessidade de distinguir cada palavra e me permaneço numa letargia que me é agradável. Me mantenho imóvel, para aproveitar mais o conforto deste útero materno onde me encontro.
Eu não sinto dor, nem sede, nem fome. Consigo sentir a extensão do meu corpo e me percebo despida - isso não me causa espanto, acentuando a minha sensação de conforto.
Mesmo com os olhos fechados, percebo a claridade, sendo que esta não agride  - é suave. O Tempo não é fracionado, porque eu não sei quando é noite ou dia - apenas a claridade se mantém. Nada se interpõe. E eu penso rapidamente no Tempo, estou no ontem - então estou no passado, e minha consciência se adianta até este presente de claridade e conforto do qual não quero sair. Meus pensamentos são fragmentados. Ouço uma risada de criança, e percebo claramente que a risada "não está " do lado de fora  e me parece, claramente, que está, sim, dentro de mim - em algum lugar dentro de mim. Isso me deixa inquieta por alguns instantes, e, é quando eu percebo que alguém ou alguma coisa se posicionou entre a claridade e os meus olhos ainda fechados. Esta inquietação é dissipada imediatamente pela 'presença' ao meu lado. Sinto  os meus olhos se abrindo, então, sem surpresa nenhuma, percorro com o olhar o que seria uma sala ou um quarto e curiosamente eu não identifico nenhum ângulo entre parede e teto, reforçando a ideia de um grande útero do qual emana um luz branca que não me causa desconforto aos olhos. Não posso precisar o tempo que foi gasto para eu olhar o aposento, não em busca de alguma referencia, apenas olhando e quando completo o movimento circular de reconhecimento, meu olhos se deparam com a "presença" ao meu lado. Um homem alto, esguio, de cabelos escuros e barba aparada. Usando roupa branca, um jaleco de mangas compridas, mas o que me chamou atenção foi o nó da gravata - pequeno demais, já que a mesma era estreita. Diferente das gravatas usadas e reconhecidas por mim. O homem não falou nenhuma palavra, ficou por um tempo (que não sei precisar) - ao meu lado e depois saiu. Devo ter "adormecido" imediatamente e novamente ressalto- não sei dizer do Tempo em segundos, minutos ou horas.
Quando tomei consciência do meu corpo, senti que alguém tocava em mim, mais precisamente no meu braço esquerdo, tentei mover o braço e não consegui. Suspenderam a minha cabeça e senti que pessoas estavam ao meu lado e esfregavam um pano úmido pelo meu corpo - abri os olhos! 
Meu primeiro pensamento foi: 'Estou num hospital! Deve ter acontecido um acidente na serra!' Minha primeira noção de Tempo me remeteu à 23 de fevereiro de 1986. Eu estava em Paranavaí e retornando à Curitiba na noite deste dia. Pensei ter sofrido uma acidente já que estava num hospital. Ouvi claramente quando uma das pessoas que me faziam a higiene: 'Avisa o Dr. que a moça acordou'. Eu tentei mover os braços e novamente não consegui, foi então que olhei para o lado e vi suportes com frascos de soro e outro liquido amarelado e as mangueirinhas vindo terminar exatamente no meu braço esquerdo que estava preso na grade da cama. No outro braço também tinha uma mangueirinha e uma bolsa com liquido escuro que eu vim a saber mais tarde, ser sangue. Senti pavor, tentei me levantar, não consegui pois os dois braços estavam presos numa placa de madeira que ia desde a mão até o cotovelo e esta, presa a grade da cama. Minha agitação foi tanta que eu fui sedada e dormi novamente acordando horas mais tarde. Recebi a visita de 3 médicos e uma mulher. Dr. Sílvio Machado, neurologista foi quem primeiro falou comigo me pedindo para ficar calma que tudo estava bem. Que eu estava no Hospital Cajuru em Curitiba, mas que agora estava tudo bem comigo e colocou a mão sobre a minha barriga dizendo: "Tudo está bem com o seu bebê" - foi então que eu olhei para a minha barriga e me apavorei, porque até então, eu estava deitada de costas e sem travesseiro e não tinha olhado para a barriga - enorme! Eu estou grávida?!! De quem?!! Como vou explicar para o meu pai?!!! Dr. Sílvio disse pausadamente: "Fique calma Maria, seus pais estão ai fora , no corredor e já vão entrar", e foi outra sessão de panico. Respondi na hora: Meu nome não é Maria! Quero ir embora! Meu nome não é Maria!!! 
Ele novamente tentando me acalmar foi dizendo: Você está bem, teve uma eclampsia, veio para o Cajuru no dia 28 de fevereiro, hoje é 7 de março. Seus pais e seu marido estão no corredor  e calmamente pegou uma prancheta que estava pendurada na grade da cama e leu o meu nome - Você não é Maria L.L.R.?
Respondi que não sou Maria, e ele perguntou: Como é o seu nome? Eu tentei dizer o meu nome, mas não sabia. Deu um branco total. Eu não sabia o meu nome. O médico perguntou o nome dos meus pais e eu não sabia. E muito menos com quem eu era casada. Então, antes de eu surtar de vez ele mandou abrir a porta  e no mesmo instante eu vi meu o pai e minha mãe. Reconheci na hora. Sabia que eram os meus pais, mas não sabia os nomes. Foi uma alegria imensurável, um êxtase estar junto dos meus pais. Depois de uma longa conversa com o Dr. Sílvio Machado, eu fui removida da U.T.I. e passei para um apartamento onde pude ficar mais calma. Depois de uma sério de novos exames, e a pressão arterial controlada, eu recebi alta e antes de sair, eu perguntei pelo outro medico, aquele que ficou ao meu lado enquanto eu estava na U.T.I.  Eu não queria sair sem agradecer a ele pela atenção e qual não foi minha surpresas quando todos disseram que não tinha outro medico além daqueles que eu já conhecia e ninguém esteve ao meu lado naqueles dias. Eu insisti afirmando que, eu vi esta pessoa ao meu lado. Um homem, alto, magro, cabelos escuros e barba aparada e usando uma gravata preta e fina. Todos negaram a existência dessa pessoa e eu deixei o hospital levando comigo a certeza daquela "presença silenciosa" ao meu lado. 



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