sábado, 22 de outubro de 2011

TANATOS



O que eu vi, eu não sei se estava lá. Eu apenas distingui aquele escorrer vermelho, viscoso e frio num filete d’água diluindo-se no ladrilho branco até sumir pelo ralo levando o meu olhar e o meu silêncio. A vida restringia-se à larvas brancas contorcendo-se em desespero, boiando na água fria, deixando à vista apenas a cabeça escura e a fome voraz. O que eu conhecia por viver e estar viva disponibilizava somente um leve comentário sobre aquilo tudo. Não havia maneira de exteriorizar um sentimento ou mesmo um espanto – então me calei! Deixei o cheiro acre revelar-me a ausência purificada da Vida e o rasgar em tiras que, expondo a planura branca dos ossos nos dentes da serra e no fio da rugina me trouxe a presença da morte. Era uma questão de tempo. Mas o tempo é tão fragmentado que se dissipa ao menor disparo, transformando tudo, até o silêncio frio e branco da morgue e o revelar de fatos e "causa mortis". Nunca consegui entender o que existe de fato por trás daquelas portas e das fotos tiradas sem o menor pudor nem sinal de vida. Associando uma estranha presença de carne e sangue e restos de uma podridão onde as larvas fazem sua ceia, senti o quanto nos inquietamos diante da morte e do morrer. E ainda sem argumentações e acreditando na fragilidade da matéria, questionei-me sobre a projeção do espírito e esta lamurienta escuridão que nos afasta da compreensão e do esplendor do saber. O que seria apenas uma tarefa fácil, tornou-se uma questão crucial – a fragilidade e vulgaridade da matéria contrastando com a verdadeira existência daquilo que chamamos “alma”, e que, na realidade é uma imensa nebulosa de vibrações e significados que devemos aprender a ler enquanto matéria. Dando ainda uma última olhada naquele amontoado de proteínas e aminoácidos pulverizados deixei aquela sala fria e voltei para a luz do sol.



Ad Infinitum...

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