quarta-feira, 22 de junho de 2016

LEMBRANÇAS

Lembranças
Hoje pela manhã, logo que cheguei ao trabalho, tive um mau subito e mesmo recebendo um pronto atendimento, não foi possível controlar o quadro e minha ida ao hospital foi inevitável. Lá chegando, fui imediatamente colocada numa maca no P.S. e minha melhor veia no dorso da mão, serviu de acesso para um cateter calibroso por onde o soro fisiológio e medicamentos rapidamente escoaram, causando um relaxamento imediato. Nesta altura da minha vida, eu já não sinto pavor por estes "instrumentos de tortura" -, sou uma paciente bastante compreensiva e, sem nada a fazer, passei a observar o gotejar solene do líquido translúcido responsável pelo meu bem estar. De repente, muitas imagens vieram à minha mente. Aquele gotejar antes silencioso, agora tinha som. Parecia o bater ritmado de um coração - o meu coração!! Fechei os olhos e procurei desviar o pensamento, mas o som continuava forte- Tum! Tum Tum! Tum! TumTum! Senti a palma das mãos ficando úmidas e frias. Pensei em chamar a enfermeira, mas desisti da ideia porque não tinha o que dizer a ela. Fiquei quieta. Estava muito frio, puxei a manta para cobrir a mão onde estava o cateter e fechei os olhos na esperança de adormecer e quando acordar, tudo estar bem. "Tudo ficou escuro. Tão escuro que era quase impossível respirar e foi quando senti o gosto do sangue pela primeira vez. Senti também a viscosidade quando passei a mão pelo meu rosto tentando limpar os olhos e então eu  senti dor. Tinha um corte profundo no meio da testa e saia muito sangue. Naquela escuridão,  não era possível ver nada à minha volta. Escuro! Um cheiro ruim de mofo, a poeira fina grudando nas minhas mãos, coisas grudentas nos meus cabelos -TEIAS DE ARANHA! Um grito que não saiu -, morreu na garganta junto com o choro sufocado pelo sangue. A mãe era a salvação! Cadê a minha mãe?! - eu não queria ser engolida por aquela boca enorme e fedorenta de mofo e teias de aranha - devia ter milhões delas, com seus olhinhos capazes de ver na escuridão, todas rastejando na minha direção. Não consegui gritar. Senti o calor da urina molhando as minhas pernas. Fui me encolhendo cada vez mais em posição fetal, feito um bichinho rendido diante do pavor. Meu coração batia forte, acelerado Tum Tum Tum TumTum Tum -, minha cabeça doía, meu corpo girava no escuro e na lama de urina e poeira e de repente eu senti o vento soprando meus cabelos e os movimetos do balanço me levando cada vez mais alto e mais alto entre as risadas - eu não estava só. Eu era criança, estava num balanço, mas não estava só. Eu podia sentir as pequenas mãos tocando nas minhas costas me empurrando cada vez mais alto e nós riamos muito e o sol nos meu olhos, me obrigava a fechá-los. Então o balanço foi diminuindo e diminuindo até parar e eu abro os olhos e vejo as mãos estendidas: "Dê-me as suas mãos, as minhas são suas. Vem! Vamos correr!' -, segurei aquela mão e sai correndo". Então eu ouço: _Me dá mão, vem! Me dá a mão! E alguém segura com força a minha mão, mais precisamente o meu braço e me puxa violentamente me trazendo à luz do dia. Fui levada às pressas para o Hospital São Lucas. Minha mãe aos prantos tentava me limpar daquela massa de sangue, poeira, teia de aranha e urina enquanto eu -, eu só olhava o mundo e sentia o vento e o balanço pra lá e pra cá. Depois de muito choro, levei 6 pontos na testa, tomei uma injeção e voltei pra casa com um curativo enorme e nunca mais eu vi o meu dom Pixote com a bengala e a cartola. Nunca mais passei perto daquela portinhola que fechava a entrada embaixo da casa e onde eu tinha entrado para recuperar um brinquedo e ao sair, fui surpreendida pela porta que se soltou me acertando em cheio no rosto, se fechando a seguir, me mantendo presa no escuro por hum milhão de anos luz até ser enocntrada pela minha mãe e nosso vizinho, que me tirou de lá em choque. Anos depois, quando demoliram a casa de madeira, finalmente eu pude rever o meu brinquedo e o mantive comigo por mais alguns anos até que finalmente se perdeu e algum lugar entre o aqui e aquele lugar onde o balanço me levava ao céu cada vez que as suas mãos tocavam as minhas costas. Há muitos tempo eu não me lembrava disso, até mesmo porque a cicatriz na testa  passou a fazer parte de mim.Hoje eu me senti completamente só e com frio e senti medo, então me cobri com a manta e deixei a mão um pouco descoberta, esperando pela sua mão. Pela hora do almoço, fui liberada e voltei para casa. E cada vez mais, a certeza do que eu quero me toma por completo. Tá bom, você pode não acreditar em nada do que eu digo, mas eu sei o que eu sinto e o quanto tem de verdade em cada palavra esticada nesta linha chamada vida.



"O que está guardado no coração, é para sempre"


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