domingo, 12 de junho de 2016

MEU TIO SAUL

MEU TIO SAUL

Era tão bom quando eu me sentava ao seu lado e ouvia as suas histórias -, mesmo as mais loucas que um ser humano é capaz de inventar. Ele sempre com o olhar perdido no vazio entre a cidade e aquela casa, aquela varanda alta, aquele chão vermelho, o cachorro deitado aos seus pés, a fumaça do cigarro entre os dedos amarelados, a mão apoiada no joelho -, era ali, naquele espaço de silêncio que ele vivia as suas experiências sem prestar contas à realidade. Com a sua voz grave,  ele me contava fatos que a minha inocência não era capaz de assimilar e muitas vezes, ele segurava a minha mão com o seu jeito peculiar e apontava o meu dedo indicador, um ponto entre o céu e a terra dizendo: É pra lá que eles foram!-, eu olhava atentamente sem contudo, perguntar - Quem foi pra lá?! Quem?!-, na verdade eu sentia medo de perguntar qualquer coisa e me dispunha a ouvir. Então, de repente ele sorria e me perguntava se eu queria um doce ou um passeio no viveiro de mudas que ficava do outro lado da rua. Eu sempre respondia a mesma coisa - primeiro o passeio e depois o doce! E de mãos dadas, atravessávamos a rua  mergulhando num mundo de flores, mudas de árvores ornamentais e frutíferas as quais ele conhecia pelo nome científico. Além das flores, tinha os aninais - coelhos angorá, porquinhos da índia, gansos e patos. Os pequenos micos com seus olhos enormes, preás, cotias, jabutis, um lagarto que comia ovo, e um grande viveiro de pequenos pássaros e as barulhentas araras. Ficávamos por longas horas passeando à sombra do arvoredo. Muitas das vezes, era estação das frutas e eu me deliciava com carambolas, romãs, pitangas, jabuticabas, isso tudo, antes dos tais doces que eu não esquecia. Antes de ir embora, era a vez dos peixes ornamentais nos grandes aquários e os alevinos  nos taques cobertos com uma tela fina para evitar que as garças fizessem um banquete à céu aberto. Depois de nosso passeio ecológico, ele segurava a minha mão e caminhávamos em silêncio até a rua de cima, onde ele comprava os doces: canudinhos com doce de leite e banana kasutera os meus prediletos (ainda gosto!!) De volta à casa da minha avó, eu me sentava na área (varanda) e ele voltava a sua posição acocorada junto a parede do quarto e abríamos os saquinhos de papel pardo e nos entregávamos aos doces e risadas. Há um mundo misterioso, diante do qual os covardes se apavoram, um mundo que ele conhecia tão bem. Soube como entrar, mas nunca soube como voltar. 


só a saudade nunca tem fim

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