quarta-feira, 21 de novembro de 2012

RODA D'ÁGUA



RODA D'ÁGUA


Da boca do fogão à lenha vinham os chiados e estalidos da madeira meio verde sendo consumida pelo fogo na pressa do calor e na mansidão de cozer o leite e assar o pão.
No arrastar dos chinelos de couro e no vai e vem do avental branco, um ramo de salsa cai ao chão enfeitando os ladrilhos vermelhos da velha cozinha. 


Na chapa quente o tostar do queijo faz dual com o café escorrendo do coador de pano [tão escuro de tantos banhos]e ainda mantendo o sabor dos grãos minuciosamente selecionados, torrados e moídos.

O crepitar da lenha faz voar vaga-lumes ardentes e entre dentes, um sorriso. No olhar brilhando, o alumínio das panelas. E do fio da faca, caem as cascas e nascem as doces: estrelas de laranjas, quadrados de mamão verde e no vidro quente - o colorido das compotas de goiaba, araçá, marmelo e carambola.
Um queijo, um beijo, goiabada e paixão – a vida de cheiros agridoce entre as tampas e o velho pilão. Nas réstias de alhos e cebolas, uma trança e um limão. 

Das gamelas sobre a mesa, o verde das folhas do agrião escondem os doces - caju, goiabas suculentas, graviolas e frutas do conde. Um pano branco bordado com os dias da semana, marca o tempo que não passa no calor dessas horas e da janela, o sol espia e se enfia no aconchego de um abraço entre um beijo estalado, um biscoito "casado" e um sorriso de maria-mole.
Água fria descansada no gosto do barro, escorre entre os goles, doces goles do vermelho das romãs. E das cinzas do borralho, surge o gato Mal me quer, que nada quer, a não ser dormir e sonhar odores.
O tempo e suas escamas coloridas brilham no olho do boi enquanto tudo gira num silêncio onde fermentam as saudades guardadas nas gavetas e nos armários. E no quintal as galinhas ciscam o chão descobrindo o segredo de germinar minhocas.
A roda d’água gira sem parar, gira sonhos, gira vida,
gira o tempo de todos nós.


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